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Críticas

Cineplayers

Da incoerência comercial ao êxtase do cinema.

8,0

Se os cinéfilos tivessem feito greve de fome pra esperar À Prova de Morte estrear nos cinemas brasileiros, teriam morrido por desnutrição. Foram necessários surpreendentes três anos, dezenas de adiamentos e troca de distribuidora para que, finalmente, esta segunda parte do projeto Grindhouse, dirigida por Quentin Tarantino (a outra parte, Planeta Terror, comandada por seu pupilo Robert Rodriguez, foi um fiasco em bilheterias mesmo sendo um dos mais divertidos filmes lançados por aqui naquele ano), chegasse ao nosso circuito. As pessoas bem que tentaram manter a postura “esperarei para ver no cinema”, mas foi inevitável: vitória dos meios alternativos, aos quais os fãs de cinema tiveram que recorrer para poderem ver o novo filme deste que é um dos diretores mais queridos da atualidade, ícone da cultura pop pós-anos 90 e, ainda por cima, um baita autor – talvez o problema seja exatamente este, estar acima da média de nosso circuito, afinal outros ícones da atual cultural pop, como a Saga Crepúsculo e afins, jamais atrasam.

É inevitável retornar a este discurso sobre a incoerência do circuito comercial brasileiro, já que isso é praticamente determinante em outras questões que os gestores dele adoram discutir: pirataria, downloads, etc. Pois acreditem, a maior campanha que poderia existir em favor dos meios alternativos é segurar um filme de Quentin Tarantino na gaveta por três anos, ainda mais depois do sucesso exorbitante – e merecido – de Bastardos Inglórios, que cimentou de uma vez por todas o nome do diretor mundo a fora. Agora até as minhas tias-avós sabem quem o cara é – e, tenho certeza, será no mínimo estranho para elas quando notarem que o “novo filme do maluco de Bastardos Inglórios” é de 2007, dois anos antes do “anterior”.

O caso de Tarantino não era e, infelizmente, não será o único. Dezenas de outros grandes filmes ainda estão aguardando por espaço nas salas de cinema do país, que permanecem tomadas por Príncipe da Pérsia e outras rações enlatadas. Pra ficar na produção norte-americana, o caso mais grave deve ser o de Guerra Sem Cortes, do mestre Brian De Palma, um dos mais instigantes filmes da década passada e que chegou a ser considerado pela revista francesa Cahiers du Cinema, uma das principais publicações sobre cinema em todo mundo, como o melhor filme de 2008. Pois bem, nem o respaldo da revista fundada por François Truffaut e Jean-Luc Godard foi suficiente, talvez por acreditarem que um filme que misture recortes reais de Youtube e cenas ficcionais (registradas por De Palma o que significa que são melhores que 90% de todas as que chegam por aqui) para contar através da falsificação da imagem uma história real de estupro e assassinato na Guerra do Iraque não seja interessante o suficiente para ser veiculado.

Mas enfim, a vida segue em frente, e À Prova de Morte como não poderia deixar de ser é outro filmaço de Tarantino. Daqueles filmes que, independente de seus eventuais equívocos, fazem vibrar feito um louco e apertar o travesseiro – agora há oportunidade de apertarem o braço da poltrona do cinema também, por favor, aproveitem e lotem as salas – de tanto êxtase. Tarantino mesmo disse certa vez numa entrevista em Cannes que seus filmes pós-Kill Bill podem ser definidos como filmes que os personagens de seus primeiros filmes veriam no cinema durante os fade outs. É por aí mesmo, Quentin. Se o cinema reproduz mentirosamente a vida, Tarantino reproduz mentirosamente a mentira do cinema e chega a um nível de ficção tão extremo e intenso que faz com que você se sinta parte de um filme do lado de cá também. Eu vi À Prova de Morte empunhando uma AR-15 na companhia de duas peitudas de biquíni e muitas doses de whisky, lembro muito claramente disso.
 
Tarantino inspira o cinema e expira ele de volta através de filmes como este. Aqui as referências são diversas, de exploitations e black-movies a filmes de estrada dos anos 70 e, especialmente, ao ambiente e à atmosfera das velhas Grindhouses homenageadas pelo projeto estético dele – e também por Rodriguez em Planeta Terror. Mas mais do que homenagear e reproduzir, e aí está a diferença destes seus filmes para outros cheios de referências espertinhas – e paródias imbecis - a grandes clássicos ou filmes de sucesso, o que Tarantino faz mesmo é construir o novo, o seu cinema, em cima daquilo que acredita que seu público gosta ou irá gostar de conhecer, e principalmente, daqueles filmes que o ajudaram a sustentar essa paixão sem igual que sente pelo cinema e pela aventura de fazer filmes – e que realmente não se encontra nem semelhante em mais de duas ou três filmografias de diretores em atividade, que de uma forma geral parecem encarar o cinema como uma equação matemática e esquecem de viver junto de seus filmes, como Tarantino faz.

À Prova de Morte divide-se em duas partes, e embora aquela perseguição na auto-estrada seja divertida pra caramba, o clímax do filme está mesmo é na longa sequência do bar, antes do acidente que divide a narrativa. A atmosfera construída por Tarantino é tão perfeita que, sinceramente, meu desejo era o de viver pra sempre nesse filme. Noite chuvosa, bar de beira de estrada com varanda de madeira, carros antigos no estacionamento, garotas bebendo tequila, música na jukebox, Tarantino pagando de barman, apostas perigosas, sedução, provocações, lapdances sensuais ao som da trilha-sonora caliente (provavelmente uma das cenas de filme que mais revi na vida) e aquele aroma de bar mexicano que atravessa a tela. São cerca de 40 minutos em que absolutamente nada de relevante acontece em termos de trama, mas que mais uma vez comprovam que o grande poder do cinema não está exatamente no que é contado, e sim em como isto é contado. E dentro de sua proposta, aqui, Tarantino atinge a quase-perfeição – a perfeição mesmo está em Kill Bill, é claro.

Mas isso também acaba gerando o velho e chato problema de expectativas não correspondidas: afinal, se o melhor do filme está em sua primeira metade, a segunda acaba invariavelmente se tornando menos impactante, o que não significa que seja ruim – e longe disso, um filme que termina com aquele freeze no golpe de kung fu da Rosario Dawson acertando a lata de Kurt Russel não pode jamais ser chamado de filme menor. O que existe, porém, é um pequeno excesso de metragem no corte deste À Prova de Morte que chega aos cinemas (que é maior que a metragem que estava no Grindhouse original, que deveria ser lançado como um filme só antes de ser dividido pela distribuidora norte-americana), uns 15 minutos que sobram e poderiam estar de fora sem prejudicar a narrativa. Mas tudo isso é secundário: o que interessa mesmo é que, em seus melhores momentos, À Prova de Morte alcança um patamar do qual poucos filmes modernos sequer sonham em se aproximar, o que faz deste um filme essencial para o circuito.

Mesmo que, infelizmente, seja nessas condições.

Comentários (2)

Diego Henrique Silveira Damaso | sábado, 16 de Novembro de 2013 - 02:57

\"A atmosfera construída por Tarantino é tão perfeita que, sinceramente, meu desejo era o de viver pra sempre nesse filme.\"

Exatamente o que senti, Dalpizzolo.

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 14:10

Tarantino é um fenômeno de criatividade infinita. Até quando uma premissa parece absurda, ele te dá um nó daqueles!! Assisti Cães De Aluguel quando tinha 11 anos!! Nunca vou me esquecer de que, mesmo sendo tão violento, me diverti demais e depois que vi Pulp Fiction, e descobri que era do mesmo diretor, virei fã!!! Gênio!!!

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