Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Haggis constroi um thriller correto, com bons personagens, mas derrapa nos lugares-comuns do gênero.

6,0

Até pouco tempo atrás, o nome de Paul Haggis não era dos mais famosos de Hollywood. Roteirista – e diretor ocasional – com passagem por diversas séries de televisão, Haggis apenas começou a chamar a atenção da indústria cinematográfica norte-americana quando assinou o roteiro de Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), grande vencedor do Oscar de 2005. Logo no ano seguinte, roteirizou e dirigiu Crash – No Limite (Crash, 2004), que também levou o prêmio da Academia de melhor filme. Desde então, Haggis tem se dividido entre o trabalho de roteirista e diretor, colaborando com o texto de outros filmes e ainda encontrando tempo para comandar suas próprias produções, como o interessante No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, 2007).

Após estas duas obras mais “sérias”, Paul Haggis se joga pela primeira vez no cinema de gênero com 72 Horas (The Next Three Days, 2009), thriller baseado no filme francês Tudo por Ela (Pour Elle, 2007), sobre um homem que decide tirar a esposa da prisão após ela ser condenada por um crime que não cometeu. E, mais uma vez, o roteirista/cineasta demonstra ser um realizador competente: mesmo inexperiente em filmes desta natureza, Haggis entrega uma produção eficaz dentro de seus propósitos, que, enquanto busca construir a tensão, jamais deixa de lado o desenvolvimento dos personagens. Esta preocupação em criar pessoas de carne e osso e não apenas personagens, provavelmente venha de sua formação como roteirista, e acaba fazendo toda a diferença no resultado final.

Isso porque John Brennan, protagonista de 72 Horas, está longe de ser um herói típico do cinema. Para quem está acostumado com os mocinhos confiantes, que sempre sabem o que fazer e conseguem tudo sem grandes problemas, é reconfortante acompanhar a história de um homem comum, capaz de cometer erros e sentir medo. O personagem, a cada novo passo da realização de seu plano, se vê diante de uma dificuldade, exatamente por não conhecer o mundo no qual está se envolvendo. Assim, ele vomita de nervosismo após quase ser pego pela polícia, é espancado ao tentar estabelecer contato com criminosos e faz escolhas típicas de um amador. Em outras palavras, John Brennan é alguém com quem a plateia consegue se identificar, o que torna a sua jornada sempre interessante.

E a escolha de Russell Crowe para o papel não poderia ser mais adequada. Por mais que tenha interpretado heróis do estilo clássico do cinema – como em Gladiador (Gladiator, 2000) e Robin Hood (idem, 2009) –, o ator já provou ser versátil, capaz também de transmitir vulnerabilidade – sua interpretação em O Informante (The Insider, 1999) segue sendo a melhor de sua carreira. Crowe empresta a Brennan um olhar sempre nervoso, desconfiado, como se estivesse com medo do que poderá acontecer, ao mesmo tempo em que passa a determinação de um homem determinado a tudo. Sem contar, claro, que a persona já estabelecida do ator apenas contribui para tornar o terceiro ato – a fuga em si – sempre verossímil e interessante. Certamente a sua atuação em 72 Horas não irá figurar entre as melhores de sua carreira, mas é um bom trabalho de um grande ator que, ultimamente, parece ter dificuldades para encontrar papéis à altura de seu talento.

Da mesma forma, Elizabeth Banks tem aqui aquela que talvez seja a melhor interpretação da carreira. O roteiro de Haggis e a atuação de Banks não deixam que Lara Brennan seja apenas uma espécie de “McGuffin” para a história, fazendo dela, também, uma pessoa real. Mesmo com menos tempo em tela do que o protagonista, Lara jamais deixa de se tornar interessante e, inclusive, recusa-se a seguir o plano do marido assim que o descobre, em mais uma prova de que não é tratada apenas como um peão pelo roteiro. Banks merece méritos por trazer esta veracidade à personagem, além de brilhar em momentos específicos – a cena na qual Lara tem uma crise de choro em uma visita de John traz um belíssimo trabalho da atriz, que consegue transmitir emoção genuína.

É uma pena, no entanto, que o cuidado com a construção dos protagonistas não se estenda ao restante dos personagens. Na realidade, 72 Horas sofre com um excesso de coadjuvantes e subtramas que não levam a lugar algum: o possível romance entre John e uma mãe solteira, a relação dele com o pai e a inserção de uma dupla de policiais que suspeita das atividades do protagonista acabam não tendo muita função dentro do filme. Haggis aproveita a oportunidade para encher o seu filme de rostos conhecidos, mesmo que seja de forma quase gratuita. Assim, por mais que seja bom ver novamente Daniel Stern e Brian Dennehy, por mais que a beleza de Olivia Wilde seja embasbacante e por mais que assistir Liam Neeson seja sempre um prazer, fica difícil entender o motivo de nomes conhecidos terem concordado fazer estas quase participações especiais.

Ao mesmo tempo em que o roteiro parece não dar espaço suficiente a estas subtramas, ele parece acelerado demais em certas partes, principalmente no início da obra. Em poucos minutos de projeção, o casal já foi apresentado, Laura é presa e condenada e John está armando o plano de fuga. E, se no restante do filme o protagonista cresce para o espectador por se apresentar como um homem comum, a trama parece pular o momento no qual ele toma a decisão de tirar a esposa da cadeia, criando uma lacuna que poderia ajudar a humanizar o personagem – uma vez que, certamente, esta opção deveria ter causado sérios conflitos internos em um homem como John Brennan.

Haggis, como se não bastassem estes problemas, também derrapa em lugares-comuns do gênero, provavelmente devido à falta de experiência neste chão. Por exemplo, há um excesso de coincidências e conveniências que acabam ajudando a dupla de protagonistas, como diversas situações nas quais eles escapam de serem pegos na hora H. Além disso, o cineasta ainda parece se ver na obrigação de criar uma cena de ação mirabolante, pois é a única explicação para a sequência que envolve um caminhão: o momento é tão sem propósito que fica a certeza de que Haggis quis usar a cena apenas para brincar um pouco com sua câmera. E, para piorar, o momento seguinte, no qual o casal se encosta no carro e toca as mãos, é extremamente piegas e inverossímil, capaz até de gerar risadas involuntárias.

Exceto este deslize, o já citado último ato de 72 Horas, no qual a fuga é colocada em prática, é extremamente eficaz. Por trazer dois personagens com os quais a plateia conseguiu se identificar nos noventa minutos anteriores, a meia hora final do filme é capaz de gerar tensão, mesmo sem trazer cenas memoráveis. Provavelmente, a produção poderia apresentar um final mais corajoso, coerente com o que havia sido construído até então – a ideia de que qualquer coisa poderia acontecer. Ainda assim, Haggis é bem-sucedido no comando da longa sequência, prendendo a atenção do espectador até o final.

Mesmo com sua parcela de problemas (a explicação sobre o que aconteceu com a chefe de Lara é outra inserção desnecessária), 72 Horas é um thriller que atinge os seus objetivos por ser baseado em personagens críveis e vulneráveis. Paul Haggis ainda não voltou ao nível de seus primeiros grandes trabalhos para o cinema, mas segue sendo um realizador competente, cujos trabalhos merecem uma conferida.

Comentários (0)

Faça login para comentar.