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Críticas

Cineplayers

As possibilidades da imagem.

6,0

3x3D (idem, 2013) segue a linha desses projetos coletivos que muito prometem e pouco cumprem, ao reunir cineastas de  peso e estilos opostos para dividirem a direção, tal qual Tokyo! (idem, 2008), comandado por Joon-ho Bong, Leos Carax e Michel Gondry. No caso, estamos lidando com Peter Greenaway, o português Edgar Pêra e, finalmente, Jean-Luc Godard. A princípio, o filme tem duas intenções. Primeiramente, discutir sobre a história envolvendo a cidade de Guimarães, em Portugal, um lugar com mais de dois mil anos. Depois, explorar as possibilidades da nova era do cinema digital e da tecnologia em 3D. Se a intenção era seguir essa onda de tentar adaptar o 3D – um recurso tido pela maioria como “comercial” – para o cinema de arte, como Werner Herzog e Wim Wenders fizeram, respectivamente, em A Caverna dos Sonhos Esquecidos (The Cave of Forgotten Dreams, 2010) e Pina (idem, 2011), o que realmente salta aos olhos é a irregularidade e a falta de sintonia entre os três curtas.

Não se pode ignorar a sagacidade do olhar dos três cineastas, que tentam voltar a técnica para um lado pouco explorado pelo cinema pipoca. Greenaway, por exemplo, faz aqui a artimanha técnica de um único plano sequência, de 16 minutos, que traça um tour por locais históricos da cidade de Guimarães, procurando explorar as tradições dos lugares e sua relevância cultural. De certa forma, ele potencializa a ideia lançada por Aleksandr Sokurov em Arca Russa (Russkiy Kovcheg, 2002), um filme que também aposta nesse misto de técnica ousada (filmando em um único plano-sequência todos os seus 96 minutos) com conteúdo sobre arte e cultura, semi-documental. No caso do curta de Greenaway, a ideia é elevada pelo uso da tecnologia 3D, dificílima de se aplicar em um plano-sequência ininterrupto tão longo. Porém, se por um lado impressiona sua ambição, por outro a acrobacia técnica só faz dispersar a atenção do público do foco sobre o tema do documentário, até por fim dizimar qualquer interesse tanto no assunto quanto na técnica em si.

Godard, por outro lado, foi muito mais esperto. Sabendo que a questão da cidade em si é apenas um pretexto, o cineasta volta a fazer o que faz de melhor: experimentar com as imagens e com a linguagem cinematográfica, sempre adepto a um tom de revolta e inconformismo. Por vezes retumbam alguns protestos, acusando o cinema digital de ser uma ditadura, enquanto embasa suas considerações em rápidas análises do cinema de grandes mestres, como Fritz Lang, Nicholas Ray, John Ford e Howard Hawks. Sua técnica para experimentar com o 3D faz lembrar o experimentalismo de Orson Welles em Verdades e Mentiras (Vérités et mensonges, 1973), em uma mistura de fragmentos de imagens de arquivos misturadas em novas imagens, para promover um interessante ensaio sobre a montagem e sua associação com sons e luzes, mesclando realidade e ficção. O 3D entra como uma forma de redescobrir as propriedades da imagem, suas texturas e relevos, principalmente sua função de causar impacto e perpetuar momentos, mesmo que Godard faça questão de lembrar que a exploração da profundidade do plano é muito mais antiga no cinema do que parece.

Pêra, por fim, parece ser o único focado exclusivamente em criar uma simbiose mais orgânica entre a exploração de Guimarães e a do cinema 3D, trazendo tudo isso para o lado do espectador, quase que em um ensaio sobre a condição do público perante a imagem ao longo da existência do cinema. Mais apegado a gêneros, esse último curta é mais palatável e digerível, além de o mais rico em informações sobre a cidade, talvez por conta da proximidade natural de Pêra com seu país de origem, sabendo assim entender e se aprofundar mais na alma do local.

A grande questão é que, por mais que cada um dos curtas possam vir a ter seu interesse, os diretores não conseguem fazer um projeto homogêneo. No fim, é simplesmente a junção de três curtas que ocasionalmente resvalam em temas parecidos e raramente se conectam, mas que no conjunto da obra não conseguem trazer uma mensagem coletiva. Merece o reconhecimento pelo pioneirismo em tentar explorar o recurso do 3D, e usá-lo não apenas como uma engenhoca divertida (e, acima de tudo, rentável) que atira figuras na cara do espectador quase que com o objetivo de dopá-lo, mas como um caminho para a exploração da profundidade que uma imagem pode alcançar quando bem elaborada e composta – uma forma mais “física” de mergulhar em um filme, por assim dizer. Mais importante, discute e como o cinema foi se alterando ao longo das eras, levantando uma interessante discussão sobre o avanço da tecnologia, de tornar as imagens cada vez mais realistas, e se isso de fato aproxima ou distancia as pessoas do conteúdo ali exposto. Em teoria, tudo é muito instigante, mas na prática eles caem na armadilha que tanto condenam, e terminam por conseguir mais distanciar do que aproximar o espectador da tela grande.

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