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Críticas

Cineplayers

Hollywood nos proporciona mais uma boa idéia pessimamente executada - outra oportunidade boa desperdiçada.

5,0

O cinema americano sempre foi formado em torno de ciclos. Quando determinada produção faz sucesso, inevitavelmente surge uma enxurrada de filmes do mesmo gênero, tentando reeditar o sucesso do original. As duas fases mais recentes foram dos filmes de super-herói e a do terror sanguinário ao estilo O Albergue e Jogos Mortais. Ultimamente, virou febre a adaptação de graphic novels, resultado da boa recepção do público a 300 e Sin City, por exemplo.

30 Dias de Noite é o mais recente filhote deste subgênero. Baseado na obra de Steve Niles e Ben Templesmith, o filme, com roteiro de Brian Nelson e Stuart Beattie, parte de uma premissa interessantíssima. Na cidade mais isolada do Alasca, uma vez por ano a população precisa enfrentar trinta dias sem sol, vivendo na escuridão e sem comunicação com o resto do mundo. É quando surge um estranho no local, cometendo pequenos atos de vandalismo e avisando que a morte está chegando. Não demora para que um grupo de vampiros apareça, aproveitando-se do mês inteiro sem a luz do sol para promover um banquete cujos moradores são o prato principal.

Como se percebe, a idéia rende a possibilidade de uma grande história. Passar trinta dias isolado, no frio, sem comunicação, no escuro, tentando sobreviver em meio a vampiros é, por si só, uma situação que gera medo. Infelizmente, o diretor David Slade não soube explorar o rico cenário. 30 Dias de Noite não consegue fazer o espectador sentir tensão, preferindo mostrar toneladas de sangue do que qualquer espécie de desenvolvimento dos personagens.

Parece que Hollywood não aprende. Sabe-se que o ingrediente principal para colocar os nervos da platéia à flor da pele é criar uma identificação entre o público e personagens. Pois Slade e os roteiristas não têm a menor pretensão neste sentido. Todos os personagens são rasos e sem o menor carisma, circulando pela tela como nada mais além de pedaços de carne para a refeição dos mortos-vivos. A única tentativa de algo fica por conta da relação entre Eben e Stella, mas esta, que já é inexplicável para os amigos do casal, fica absurdamente mal-construída para o público. Mais do que isso, as poucas vezes em que o relacionamento é mencionado parece forçado e nada orgânico à trama.

Claro que ninguém espera personagens complexos ou relações profundas em um filme como 30 Dias de Noite. No entanto, se a ação e o sangue estivessem equilibrados, por exemplo, com as conseqüências psicológicas de tal situação naquelas pessoas, a obra poderia ser muito mais angustiante. Como um ser humano normal reagiria diante desse inferno, com a morte espreitando durante trinta dias? Algumas poucas cenas criadas neste sentido deixariam mais claro o pavor dos personagens, o que certamente se refletiria no público.

Outro problema da narrativa cai sobre a passagem do tempo, realizada de maneira nada fluida. Praticamente a primeira metade inteira ocorre durante o primeiro dia do inverno, enquanto os moradores buscam formas de escapar dos predadores. Após um breve diálogo sobre como seria bom esconderem-se no mercado, a trama dá um salto de sete dias, revelando que os personagens continuam no mesmo lugar. Como sobreviveram até ali? Os vampiros pararam de atacar? De que se alimentaram? Estes pulos causam estranheza ao público, como se deixassem lacunas a serem preenchidas na história.

Como se não bastasse, 30 Dias de Noite ainda falha na construção das regras de seu próprio mundo. Isto diz respeito, principalmente, aos vampiros. Em primeiro lugar, como eles morrem? Pouco, é revelado neste sentido. Seria da maneira clássica, com estacas? E o crucifixo, tem alguma influência? A certa altura, um personagem diz que eles resistem a balas, mas logo depois os sugadores caem com alguns tiros. Outro problema concerne à velocidade dos mortos-vivos. Em certas cenas, alcançam carros em disparada, enquanto em outras não conseguem buscar uma espécie de trator.

Ainda falando nos vampiros, fica a sensação de que eles poderiam ter sido melhor aproveitados. Há pistas sobre a natureza deles, sobre o fato de serem um grupo de mais de quinhentos anos que destrói as comunidades que atacam, para não deixar vestígios. Além disso, falam uma língua própria. A questão é: por que não desenvolver esta mitologia em torno deles? Por que não dar aos sanguinários algo mais do que uma cara feia e grunhidos sem graça?

Como ficaram, os vampiros de 30 Dias de Noite não despertam a menor sensação de ameaça. O que também colabora para isso é o fato de Danny Huston interpretar o líder como um morto-autista. Sempre com cara de idiota, mantendo a boca aberta e gestos lentos, Huston cria um dos vampiros mais sem-graça da história do Cinema. E se o líder chega a ser patético, não podemos esperar algo muito diferente do restante do grupo.

Enquanto isso, Josh Hartnett também pouco impressiona no papel principal. O ator é um daqueles profissionais que só funciona quando tudo ao seu redor dá certo, o que não é o caso de 30 Dias de Noite. O restante do elenco pouco pode fazer com o material. O único que consegue algum destaque é Ben Foster, no papel do mensageiro estranho. Foster já havia aparecido bem em Alpha Dog e consegue, ao menos, algo diferenciado no inerte terreno das atuações de 30 Dias de Noite.

Se as interpretações pouco saem do mediano, o mesmo vale para o trabalho de direção de David Slade. Além da já mencionada problemática passagem do tempo, o cineasta peca ao preferir o sangue do que a história. Esta abordagem não deixa de ser surpreendente, uma vez que Slade ganhou destaque pelo tenso Menina Má.com, um filme totalmente baseado em roteiro e personagens. Em 30 Dias de Noite, as cenas de ação geram bocejos e as centenas de decapitações mostradas em detalhes mais parecem apelação gratuita do que uma forma de causar algum impacto na platéia.

No entanto, o diretor acerta na composição de alguns quadros. Com a ajuda do diretor de fotografia Jo Willems, Slade cria um filme visualmente belíssimo, com planos que parecem ter sido tirados diretamente da graphic novel (e talvez tenham sido). Se falha na narrativa como um todo, o cineasta ao menos é bem-sucedido em algumas cenas isoladas, como a final e – minha favorita – a tomada aérea que mostra a cidade sendo atacada pela primeira vez, com o vermelho do sangue contrastando com o branco da neve (seqüência que me lembrou bastante um determinado momento de Minority Report – A Nova Lei).

Já escrevi certa vez que pouca coisa me deixa mais frustrado do que ver uma boa idéia desperdiçada. 30 Dias de Noite é um destes casos. Um filme bastante fraco, especialmente quando se leva em conta a premissa inicial, que, com mais cuidado e na mão de gente mais talentosa, poderia resultar em uma das obras mais assustadoras do gênero nos últimos anos. Fico imaginando o que um Guillermo Del Toro ou um M. Night Shyamalan fariam com esse material.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 13:55

Isso é uma das coisas mais tristes do Cinema: boas idéias desperdiçadas. A premissa desse filme é ótima, mas o produto final é muito ruim. Não chega a ser um desastre, mas é broxante!!

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