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Críticas

Cineplayers

O olhar sempre humanista de Panahi.

8,5

Famoso por obras premiadas dos anos 90 como O Balão Branco e O Espelho, o cineasta iraniano Jafar Panahi é um caso sem igual no cinema. Condenado a um banimento cinematográfico em 2010 por “propaganda contra o regime”, Panahi chega em 3 Faces ao quarto filme pós-condenação, após os elogiados Isso Não é Um Filme, Cortina Fechada e Táxi Teerã.
Panahi sempre teve seus filmes ligados em maior ou menor grau a temas políticos, e em 3 Faces o caso não é diferente. Na obra que venceu o melhor roteiro em Cannes 2018, o diretor novamente se coloca como ator e personagem que observa o próprio país. E é fácil identificar os temas que o diretor se adereça aqui: tradicionalismo e machismo. 

Junto com a atriz Behnaz Jafari (Uma Família Respeitável), também interpretando ela mesma, o diretor conduz seu carro pelo interior do Irã em busca de uma garota que aparentemente cometeu suicídio em vídeo enviado pelos dois. Segundo a mesma, seu sonho era ser atriz mas sua família, seu noivo e sua vila viam a questão com maus olhos.

Como poucos países no atual cenário cinematográfico, o Irã e seus cineastas traduziram as crises narrativas e representativas da virada do século, levando adiante o legado neorrealista (personagens realistas, locações naturais, misto de profissionais e amadores no elenco) adicionando um toque próprio que, enquanto cria uma representação de realidade, questiona o ilusionismo inerente ao cinema.

Justamente por isso, a narrativa ficcional proposta aqui - o road movie de busca por uma pessoa - é entremeada de conversas e momentos não previstos, com a câmera filmando ambas as situações roteirizadas e espontâneas com igual interesse, seja a inusitada situação do vídeo levada em uma mescla de drama social e humor bizarro, seja ouvindo os curiosos depoimentos dos passantes que se penduram na janela e compartilham suas vidas e pensamentos, oferecendo visões de mundo ao serem solicitados por informação.

A temporalidade da câmera de Panahi é outro fator a ser considerado aqui. Em mais de uma sequência, a mais marcante sendo a primeira após a introdução, Panahi e Jafari conversam entre si e falam ao telefone enquanto dirigem na estrada e depois estacionam, com a câmera seguindo a atriz, parando quando a mesma para, girando sobre o próprio eixo enquanto a atriz circunda o carro. Uma sequência de encenação praticamente desorientada para representar o estado emocional também confuso dos personagens. Se o cinema é emoção e afeto, esse afeto também é tempo e espaço, e mesmo uma cena predominantemente contemplativa também pode ser nervosa. 

Na introdução, onde a garota filma com a típica câmera de celular (o selfie vertical), mora a pergunta chave a ser respondida no resto do filme. A partir do momento em que a questão torna-se determinar a veracidade do suicídio, pergunta-se o que é realismo. Onde está a produção, o truque, o corte da montagem que faz a realidade se separar da representação? 
É uma questão integrada à misé-en-scene no desenrolar da obra que torna-se um tanto difícil de responder: a imagem não recebe um tratamento de estilo, a câmera se demora na natureza, nos animais, nas estradas, nos olhares coadjuvantes. Não temos muitos cortes, a imersão em uma rotina não-urbana e na compreensão dos seus costumes é profunda. Existe um discurso sobre o real e sua mimese, mas como Panahi mostra o próprio cinema possui linhas que o dissolvem, quebram e reconfiguram numa nova ficção autoconsciente.

Justamente por buscar seus protagonistas entre os oprimidos das velhas narrativas concedendo-lhes narrativas modernas que Panahi e outros cineastas iranianos, por suas preocupações político-sociais e humanistas sobre a imagem, continuam na vanguarda do cinema mundial. E 3 Faces é só mais um exemplo disso.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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