Não estranhe se, assim que terminar de assistir a 2001: Uma Odisséia no Espaço, a sensação que ficar seja de perplexidade, estranheza, incerteza. Isso é normal, afinal, estamos falando de uma (se não for a) das obras mais complexas da história do cinema.
Desde que inauguramos o site tenho vontade de falar sobre este filme, mas nunca me senti arduamente preparado para tal missão. Por que? É simples. Kubrick, por si só, já é uma figura enigmática e que emprega subtextos em seus filmes de maneira brilhante, quase sempre pouco perceptíveis, ou que abra um leque de discussões sobre suas obras, afinal, ele nunca mastiga o que quer para nós. Essa característica do diretor atinge seu auge aqui, quando até hoje, passados quase quarenta anos de seu lançamento, continua sendo uma obra de ficção científica atual e discutida, pois nenhuma das interpretações que rolaram até hoje, por mais plausíveis que possam parecer, podem ser consideradas 'A' certa.
Como isso? Qual a graça de ver um filme onde não há, aparentemente, um sentido? 2001 é muito mais que isso. O sentido não está no entendimento da história, e sim na reflexão que seus temas, principalmente o homem, proporcionam ao público. É interessante pensar, entender as situações e tentar nos colocar dentro da complexa cápsula do tempo em que 2001 se situa. Sua atualidade, sua ficção e seu deslumbramento se encontram na história, e não em efeitos e ferozes cenas de ação, como a grande maioria dos filmes procuram focar seu interesse. 2001 é feito para neurônios, não para os testículos – e não pense que esta é uma frase preconceituosa, pois 2001 é isso mesmo, um desafio a sua mente. É um filme de questionamentos, não de respostas. É um filme de sentimentos. É um filme a frente de seu tempo (o homem só pisaria na lua, de fato, um ano após seu lançamento).
Mas o filme é completo, pensado, perfeito, e até essa lentidão soa como proposital aos olhos dos mais filosóficos, afinal, no espaço, os movimentos parecem ser em câmera lenta. A complexidade técnica causa inveja e estudo até os dias de hoje, mesmo sem existir computadores na época para efeitos especiais (não se esqueçam disso, o que Kubrick fez foi na marra, na técnica, no talento, e até hoje o espaço de 68 continua lindo e convincente). Como não se fascinar, por exemplo, pela bela rotação que a moça dá em certo ponto do filme, saindo de cabeça para baixo pela porta lateral? E a caneta flutuante? E a sala gigante de exercícios, construída para ser rotacional e, em certo momento, Kubrick passeia com sua câmera por ela como se ela fosse plana e estática? E o que dizer da maior elipse da história do cinema, quando partimos da pré-história para o século XXI?
A sobreposição de películas para criar um espaço convincente combina perfeitamente com a fina trilha sonora que só mesmo Kubrick consegue combinar em seus filmes – músicas clássicas, antigas, mas que parecem que foram feitas especialmente para as cenas em que são utilizadas, na mais perfeita sinfonia de uma valsa espacial. O número de seqüências clássicas ultrapassa o limite do citável, em uma história definida por três atos: o nascimento, que é toda aquela parte dos macacos pulando, descobrindo seus meios de vida e dando os primeiros passos evolutivos (como ferramentas, deixar de ser caça para se tornar caçador e etc); a luta do homem contra a máquina (quando o super computador HAL 9000 enlouquece com a idéia de ser desligado e passa a aterrorizar sua tripulação) e o próximo passo da evolução humana, em uma psicodélica e diferente seqüência, provavelmente diferente de tudo o que você viu da época - e essas três histórias estão interligadas por um ponto chave, que é o encontro com um monolito, um extraterrestre.
Como não poderia deixar de ser, 2001: Uma Odisséia no Espaço é um filme tipicamente Kubrickiano não apenas na história, mas também na forma. Diversos pequenos detalhes enriquecem a obra, como a referência escondida à IBM e HAL, que são as letras anteriores as da empresa. Diz o mito que foi algo proposital, negado pela equipe, mas seria muita coincidência um computador ter uma referência tão clara assim a toa. Os espaços são grandes e brilhosos, com poucos ou estranhos objetos de cena, assim como em diversas de suas obras.
A importância de 2001 é cristalina: antes dele, os filmes de ficção científica eram aqueles conglomerados de monstros destruindo cidades, sempre vistos com ar trash – características que, após os mais de 100 milhões de dólares arrecadados em bilheterias e sua importância artística, foram alteradas com o tempo. Hoje, por exemplo, filmes de ficção como Solaris podem ser vistos com outros olhos. Pense que, na época, ainda não se sabia ao certo como a Terra era vista do espaço (no filme, ela é toda azul, não dá para ver os continentes). Ganhou, merecidamente, o Oscar de Efeitos Especiais e foi indicado ainda em outras três categorias: Melhor Diretor, Direção de Arte e Roteiro Original (não é uma adaptação). Uma pena que Kubrick tenha perdido a direção para Carol Reed e seu Oliver!, que hoje é bem menos lembrado.
Kubrick era perfeccionista, arrogante, de poucos amigos, mas também um gênio inesquecível do cinema, e 2001: Uma Odisséia no Espaço é sua melhor obra de sua pequena e brilhante filmografia. Apenas ele poderia fazer um filme onde não há o certo e o errado, apenas o complexo em um lugar onde não há nem ar, mas uma bela e sincronizada sinfonia. A combinação perfeita de imagem, som, história, atuação e personagens marcantes. Prepare-se para o turbilhão de informações e curta a vontade, pois nossa equipe, quase em sua totalidade, recomenda 2001 como uma boa pedida.
Melhor filme de todos os tempos, fácil.
Melhor filme de todos os tempos, fácil.[2]
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4, 5 e 6.