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Críticas

Cineplayers

Um homem e seu filho.

5,5
Tem um paralelo a ser traçado entre as trajetórias de Eder Jofre e o diretor José Alvarenga Jr., respectivamente biografado e responsável pela sua trajetória nas telas. Alvarenga tem uma trajetória de imenso sucesso na TV e no cinema, onde dirigiu alguns filmes dos Trapalhões, as duas versões do seriado Os Normais para a telona, a adaptação da peça Divã tanto para o cinema quanto para a televisão, mas tinha tido pouca experiência fora do humor e da leveza. Na década passada fez parte do comando da série Força Tarefa e ali pela primeira vez saiu de sua zona de conforto, pra onde voltaria essa década incluindo dirigindo três temporadas de Malhação. Agora, Alvarenga volta 7 anos depois de seu último longa, com um drama que se enquadraria em registro mais denso e emocional; pela primeira vez fora da telinha Alvarenga dá esse passo.

Do lado de Jofre, o longa já mostra sua aptidão para o desenho desde criança. Mas, nascido em uma família tradicional de boxeadores, em certa via a força das circunstâncias o leva a abraçar sua zona de conforto, lugar esse onde ele demonstra talento inegável, embora ele também o tivesse para as ilustrações. No fim, a zona de conforto de Jofre era o lugar de onde ele extrairia brilho, provando que a expressão nem sempre representa injustiça. O diretor de seu filme também abraçou sua natureza, e durante anos entregou produtos acima da média no audiovisual explorando a comicidade. Ao sair desse lugar confortável, vemos um Alvarenga abdicado de frescor, aceitando em sua produção uma mera reprodução de trabalhos já feitos em outras biografias, sem frescor. E, acima de tudo, abrindo mão de um personagem que nasce emblemático. E não estou falando do grande e reconhecido campeão Eder Jofre.

O filme tem a estrutura mais convencional de uma biografia, aquela que acompanha o personagem desde a infância, passando pela descoberta do que lhe torna especial, sua consagração, ocaso e retorno à ribalta final. Ainda que esse formato cansado seja entregue com certo vigor e talento, com ritmo cadenciado que não cria ruptura de raciocínio nem provoca incômodo com saltos temporais, até com uma cadência elegante nesse aspecto, o filme não alça voo maior mesmo apresentando elementos que o conduziriam para tal. Apesar do acerto do ritmo, a montagem é ironicamente um problema da produção, tendo em vista os desacertos da precisão de corte presentes em diversas cenas, onde sobra ou falta tempo de metragem, causando desconforto.

O filme é uma realização imponente, tem fotografia caprichada de Lula Carvalho, uma direção de arte de respeito, mas nada disso conserta frases clichês ditas pelos atores que escorregam na auto ajuda esportiva. Nesse cenário, o elenco consegue belos feitos ao driblar essas ranhuras, como Sandra Corveloni e Ricardo Gelli, em segurança sempre. Mas se a todo momento o filme parece alertar o lugar comum onde foi inserido, essa certeza se estremece a cada vez que Kid Jofre entra em cena, ou seja, em 90% do filme. É relativamente grave que uma biografia sobre uma pessoa qualquer que seja, ainda que um ídolo, seja tomada de assalto por outro personagem, ainda que ele seja a base de tudo; quando gira em torno do pai de Eder Jofre, que é o segundo protagonista do filme.

A personagem nasce clássica e vai assim da primeira à última cena. Se na construção textual é quem menos sofre, na imagética é definitivamente quem mais se destaca. Sem desmerecer a dedicação de Daniel de Oliveira em mais um momento de demonstração de maturidade e talento, com delicadeza e sensibilidade até em meio à fúria que um boxeador precisa ter em seus momentos de arena, não há nada que se compare à dedicação de Osmar Prado em cena. Com pouquíssimos serviços prestados ao cinema (esse é apenas o sétimo longa em 50 anos de carreira), Prado varre cada cena para dentro do bolso. E o filme, embevecido com seu talento descomunal, arranja o melhor campo para um artilheiro brilhar. Um conjunto de cenas onde Kid observa Eder treinar por uma janela são emolduradas com esmero, em enquadramentos perfeitos. Uma cena em particular acompanha o espectador: Kid ouve sua esposa pedir por compreensão às escolhas de seu filho. Deitado na cama, Prado fuma um cigarro enquanto olha o teto. É só o que faz, é só o que precisa fazer.

Refém de uma construção que inclui ator, roteiro e direção num único foco, o outro personagem segue sem interessar muito. Para além da fôrma do projeto bastante marcada, esse talvez seja seu principal problema, sombrear quase que totalmente uma história. A culpa não é de Prado, nem da forma como a fotografia o protege, o texto o reveste... a culpa é da falta de cuidado com o resto, que se ressente do personagem quando ele não está. Isso sim é um problema de difícil contorno. Antes de terminar o filme ainda presenteia Prado umas 4 ou 5 vezes mais próximo ao final, e se encerra com sua emoção genuína. Resta ao público reverenciar um gênio da interpretação, e lamentar que Alvarenga tenha conduzido essa sua tentativa de maneira tão quebradiça. 

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