5,0
Lucas Camargo de Barros e Lucas Thomé Zetune são muito jovens, mas já têm uma larga ficha corrida como diretores de curta-metragem. Premiados e já tendo sido exibidos em festivais internacionais (Rotterdam, por exemplo), os rapazes estreiam em longas na Mostra Caleidoscópio, seção lançada esse ano em Brasília. Assistir a essa estreia deles é ter a certeza sobre a natureza dessa seleção e desse novo grupo de filmes, que tende a se tornar anual. Seu foco é o 'cinema de invenção', que de acordo com a própria publicação do festival "abre espaço para realizadores que se arriscam em propostas absolutamente únicas e pessoais". Já usando o filme como exemplo e trocando em miúdos, o festival encontrou um espaço para exibir e premiar (a mostra é competitiva) filmes inclassificáveis.
O Pequeno Mal não decepciona quem está esperando desafio narrativo. A produção abre diversas portas de entendimento para o que apresenta, a partir do desabamento de uma obra de estação de metrô em São Paulo há 11 anos. O acidente teve vítimas fatais, e o filme se desdobra a partir da obsessão que João adquire pela cratera que se formou com o acidente, a ponto de ser convidado para trabalhar na reconstrução de parte do que foi destruído por ter adquirido uma "arqueologia emocional" com o evento. Ele e sua amiga Janaina moram juntos e estão em momentos afetivos distintos. Ele está feliz com seu namorado, ela está descobrindo sentimentos escondidos. Ambos estão adoecendo e parece que amor nenhum mudará esse processo; talvez até prejudique mais. Ou talvez seja mesmo o grande culpado.
O filme tem uma das mais interessantes cenas de sexo recentes, com uma perspectiva trocada logo no início, que quebra as expectativas de cara. Além de tudo é uma situação completamente orgânica à narrativa, com um espelhamento entre os protagonistas que só se acentua ao longo da projeção. Como o filme anuncia logo no início, na verdade tem um outro acidente que terá o foco concreto do projeto e desencadeia um grupo de situações cada vez mais desconectadas no filme, mas que definitivamente provocam. Rapidamente fica claro como a fixação do amor não será tratado como positivo, e essa questão vai se intensificando ao longo da trama. Os signos que os diretores utilizam fazem uma espécie de apontamento na direção das influencias do melodrama e também do terror, como se um animal híbrido nascesse dessa combinação.
A utilização de elementos que levem para um lado e para o outro cria uma atmosfera de pesadelo no todo. O trecho do filme de Carl Dreyer e a música do The Smiths permeiam o todo e tentam atravessar a narrativa, transformando a beleza de ambos em signos de opressão e desespero, e a forma como o roteiro reutiliza o filme em situações contraditórias, indo de um polo a outro de sentimentos, é incrível. O filme acaba pegando um atalho ao final e desdobrando uma nova narrativa em cena, e aí talvez as influências do mestre David Lynch se tornem muito óbvias ainda que bem-vindas. Ainda que o filme não consiga criar conexão empática com o espectador e que seu manancial de ideias muitas vezes fique na superfície, esse é o tipo de filme que vale a pena observar e tentar cavar nele, como a seus diretores.
Filme visto no Festival de Cinema de Brasília
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