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Barco, O

(Barco, O, 2018)
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Críticas

Cineplayers

O preço do conhecimento.

8,0
Petrus Cariry é um diretor raro no nosso cinema hoje. Talvez comparado a Frederico Machado, Tavinho Teixeira e Guto Parente, Petrus não faz qualquer concessão - cada qual desses nomes com sua liberdade sincada a sensibilidades díspares. Filma exclusivamente o que interessa a ele sem pensar sob o prisma do mercado de maneira majoritária; filma o que acredita, e também independente do que o tal 'cinema de autor' move no país. O Barco é seu quarto longa e talvez sua maior ousadia até agora, isso vindo de um cara que não segue padrões, pelo contrário, ele restabelece vários. Seus três filmes anteriores foram chamados de 'trilogia da morte' e esse novo filme pulsa uma vontade irrefreável de viver, de criar e buscar nossas revoluções particulares e sair do círculo vicioso do qual nossa existência depende de maneira viciada.

O filme se apresenta e acaba por confirmar uma predileção pela fábula, um lugar já reconhecido por Petrus. Ainda que sua trilogia anterior tenha uma visceralidade intrínseca, por lá também víamos uma vontade grande de recriar mitos e monstros através de um contexto social. Pela primeira vez então o autor cearense se vê a vontade para criar uma reflexão acerca do onírico que envolve diversas obras, que ele também homenageia. Elementos como 'o oráculo cego', 'o forasteiro', 'premonições', 'o sacrifício' vão se entrelaçando e criando uma narrativa muito particular sobre liberdades individuais, abaixo de muitos conceitos de fabulação históricos revistos aqui.

O próprio campo das metáforas e dos símbolos que o próprio Petrus cria passam por uma gama de discussões. A 'filha do futuro' é como O Cego a chama, e esse uso do símbolo poderia ser refletido imageticamente na cena logo no início onde, cansada da luta com o mar, essa jovem é visualizada de maneira sobreposta a uma rede de pescar, onde só percebemos que incorretamente isso poderia ser confundido com uma captura, quando na verdade ambiciona desacreditar essa certeza com o fato de que a posteriori essa figura não se prende a nada.

É como se Petrus tivesse encarado um referencial que una o moto das sereias com a Jasmin de As Mil e Uma Noites. Como não tem nenhuma pretensão de ganhar o público de maneira patronal, ele se arrisca por opções que o afastam das respostas; se a narrativa proposta não é necessariamente original ou revolucionária, ao menos não lhe falta bom gosto. Ele 'tranca' seus personagens em uma ilha, um cenário de profunda beleza que gradativamente ganha contorno claustrofobico. E dessa masmorra emocional onde vive 'A' (em novo brilhante momento de Rômulo Braga), a fantasia, o delírio, a invenção estética vai dando espaço para o fantasmagórico, fechando um pacote irresistível para os olhos e ouvidos, em trabalho de captação sonora marcante, dos momentos mais felizes em matéria de captação de som esse ano no audiovisual brasileiro.

A linguagem imagética do filme é tão boa quanto a construção de suas metáforas. A impossibilidade da partida questionada por Rômulo Braga produz planos espetaculares, como a constante tentativa de pesca à beira-mar, a primeira imagem do barco atracado no mar e o plano final, que pode ser entendido tanto como um devaneio quanto como a realização de um sonho. O diretor parece tentado a uma questão durante a narrativa, e até que a percebamos permanece a dúvida sobre a criação dessas alegorias. Mas ao estabelecer seu debate sobre a busca do conhecimento, a necessidade da fuga e o crescimento emocional empreendido na partida, o filme estabelece sua força e seu propósito. 

Petrus Cariry é um autor na acepção literal do termo. Autor do roteiro ao lado de seu pai Rosemberg e de Firmino Holanda, que está com ele também na montagem, e também Petrus assinando a fotografia, além da produção, temos aí o dono de um projeto, literalmente. Não que isso seja novo, pelo contrário; todos os seus longas tinham exatamente esses mesmos elementos dispostos, tirando a fotografia de O Grão, a cargo de Ivo Lopes Araújo. E vemos esse rigor na tela, a mão firme que projetos assim precisam demonstrar para atingir o alcance que filmes como O Barco carecem. Um autor com tamanho controle como ele, com uma obra tão singular, continuar singrando a margem no nosso cinema, é muito significativo das potências e das narrativas que são construídas por aqui. Petrus? Petrus segue imune à segmentação autoral, com sua visão única a respeito da morte, e agora, finalmente, da vida e da vontade de construir a partir dela. 

Filme visto no Cine Ceará 2018

Comentários (1)

Humberto Costa | terça-feira, 07 de Agosto de 2018 - 13:40

O filme é um espetáculo e o enredo nos faz pensar de várias formas. Perdoe-me a comparação, mas parece das várias vezes que li O Pequeno Príncipe e em todas tirava algo novo. Muito bom!!!

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