7,0
Adina Pintilie conseguiu um feito difícil, vencendo o prêmio máximo do Festival de Berlim com seu longa de estreia. Se o merecimento da jovem cineasta romena é real, isso não vem ao caso nessa análise - e também não deveria para o espectador diante de tal obra. Há algo de tão raro em seu filme, uma voz tão fresca surgindo com uma proposta tão genuína em mente, que o resultado particular de seus intentos é o que menos importa. Tem uma sensorialidade específica em tela, uma forma quase tátil de filmar corpos e a relação externa a eles, que à primeira vista a ousadia em premiar algo tão fora da casinha poderia atrapalhar uma observação. Mas para além da bem-vinda premiação, onde existe sim uma validade em jogar holofote em algo que não conseguiria facilmente ganhar alcance sem esse aval, tem um produto que respira sem ajuda de aparelhos externos.
A diretora de 38 anos se arvora por caminhos ousados para discutir uma maneira diferente de se relacionar com o próprio corpo e também com o alheio, propondo uma reflexão sobre nossos privilégios e em como o 'diferente' nos afeta, na base do olhar mesmo. Qual é o limite de cada um para mirar atentamente a face da diferença? Como reagir ao estar de frente com os preconceitos de muitos? Na sociedade que restringe nosso campo de visão ao que se entende como belo, Adina recorta e desfoca o que está estabelecido e se concentra em debater entre seus próprios personagens a narrativa que espera vazar da tela. A empatia deveria ser uma prioridade e uma meta de vida, e a diretora provoca sentimentos que não ousava imaginar ter ao ver refletido em sua frente outro você, menos 'aceitável' que você, exercício que de alguma forma também é perseguido por A. B. Shawky em Yomeddine, com menor sucesso.
A diretora é direta, e apesar de criar um tempo próprio para submeter o espectador, não esconde por muito suas intenções. De posse de uma luminosidade insidiosa, Adina liberta cada uma de suas 'cobaias' a uma prisão nova para elas: o enquadramento de sua câmera, que lhes proporcionará uma sensação de liberdade que nós sabemos castradora; uma liberdade de ação e pensamento que ainda assim os colocará em zonas de pré-definição e julgamento, inerentes ao ser humano. A própria Adina, também ela portadora de dúvidas e angústias como seus retratados (e o próprio público), se coloca corajosamente em cena, permitindo a si também o julgamento por sua postura e decisões. Estaria ela explorando e fragilizando ainda mais o seu 'objeto filmado', ou suas inquietações conseguem ser apartadas do olhar que ela sabe que será direcionado a eles?
Nem sempre bem sucedida em seus intentos, a cineasta com um extenso currículo em curtas documentais, e partiu para uma experiência as vezes incômoda para alguns e talvez radical; ousadia de discussão sempre terá um preço a ser pago. Se consegue fascinar e provocar com seus debates que partem do humano para chegar no sexual com extrema naturalidade, Adina tem excesso de foco e uma tentativa mal sucedida de ficcionalizar um dos seus personagens, com resultados vazios. Nem sempre suas flechas acertam o tanto de alvos que ela pretende, mas o filme consegue ir além de nutri empatia pelos rostos na tela. Quando menos esperamos, estamos afeiçoados aquele grupo de pessoas que nunca pede nossa piedade, mas literalmente o nosso olhar. Direto, sem medo e sem reservas.
Se cada uma daquelas histórias merece ser conhecida ou gera interesse, isso também é uma armadilha que Adina arma pra si. Mas, como num filme de episódios onde nem todas as tramas são brilhantes, isso acontece em Não me Toque. Isso claramente é um problema pro projeto como um todo, mas a ideia, seus desdobramentos e a forma como Adina coloca exposta esses elementos é forte demais para ignorar.
Filme Visto na Mostra de Cinema de São Paulo
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