3,0
O desbunde foi um movimento que aconteceu nos anos 60 no Brasil como resposta ao golpe e à ditadura militar, há mais de 50 anos. Os artistas da época que eram contra a luta armada, que não tinham a intenção de se envolver com a guerrilha mas também sofriam repressão por terem suas liberdades cerceadas, se uniram em protesto e aos poucos uma forma de se comportar e se portar em relação a toda aquela barbárie que acontecia no país foi tomando rosto sem ninguém precisar nominar. Mais precisamente no Rio de Janeiro, não era incomum andar pela zona sul e ver grupos de jovens de cabelos compridos, túnicas e saídas de praia, se concentrando em repúblicas e próximos ao pier em Ipanema, em atitude que era ao mesmo tempo uma tomada de posição e também um modo de vida. Os personagens do Rio de Janeiro nos anos 60 e 70 que fizeram parte dessa tribo formam a fauna de Anjos de Ipanema.
Uma das integrantes desse grupo de amigos e participantes ativos do período foi Conceição Senna, atriz e diretora, premiada em Brasília por Iracema, uma Transa Amazônica, e que 13 anos depois entrega seu segundo trabalho como diretora em longas aqui, após Brilhante. Visivelmente é um longa recheado de carinho de sua realizadora, pelo período, pelos personagens, pela tomada de posição, pela forma de viver, pelo que foi construído naquele tempo e que parece harmonizar até hoje. Cada relato tem respeito e admiração por cada integrante da trupe informal que bateu ponto nas areias da praia imortalizada por Vinicius de Moraes e manteve em si o espírito e o pensamento da época, uma espécie de modus operandi que incutiu em cada um deles um código geral de entendimento e que os liberta do julgamento pessoal ou coletivo.
Dentro do universo artístico, vemos Maria Gladys, Evandro Mesquita, Chagal, Vera Maria Barreto, entre muitos outros, dando depoimentos sobre subtemas dentro daquele momento específico. As entrevistas não são necessariamente bem filmadas ou organizadas, e alguns temas e depoimentos são recorrentes e repetitivos, o que mostra um processo de roteiro e montagem deficiente. Sem o compromisso de criar uma linha sequencial coerente, ou traçar um propósito para cada uma das entrevistas que se movimentam irregular, o longa caminha de uma maneira histérica do ponto de vista cinematográfico, sem representar a real importância do que aquele tempo significou para cara um deles. Um confessional do oba-oba? Ok, mas que haja algo para além do carinho que justifique a relevância do filme, que retrata sim um período relevante, mas que é filmado sem essa consciência.
De posicionamento angular caótico e sem aparente finalidade que o leve a um lugar de destaque no cenário das biografias documentais, o filme é raso apesar de tudo. E o que seria esse tudo? Bom, como já dito, Conceição era parte integrante de um universo que exalava obviamente paz e amor, e os entrevistados transparecem essa atmosfera até hoje, com uma alegria muito genuína não apenas em estar juntos, mas em relembrar um momento marcante de suas vidas. Exatamente por isso não é justificativa para retribuir esse prazer com um projeto cambaleante, de estrutura frágil em produção e concepção, e esperar que apenas isso conduza a simpatia do público. Com a repetição frequente das sensações e dos depoimentos, mesmo essa simpatia vai sendo diluída e o filme passa a cansar em seus excessos.
Infelizmente a boa vontade, as lembranças cheias de afeto, o impacto do desbunde na formação daquelas pessoas e dos seus descendentes, nada disso corrige os efeitos de um projeto que deveria viver para fora disso, e o filme se torna refém de falta de estruturação, uma elaboração maior de suas intenções e uma vontade genuína que ultrapassasse as intenções. Foram ingênuos e puros, como mesmo se descreveram tantas vezes no longa.
Filme visto no 28º Cine Ceará
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