Ferrara subverte as regras de filmes sobre estupro e vingança, mostrando a cidade de Nova York como uma verdadeira selva petrificada, transformando um simples entretenimento de ação em um estudo sobre a sociedade, com uma violência descontrolada e que oferece algo muito mais profundo sobre a natureza humana do que aparenta, e ainda dando uma nova vida ao (sub)gênero exploitation.
A trama de Ms. 45 gira em torno de Thana (Zoë Lund, espetacular), uma jovem tímida que está indo para casa após mais um exaustivo dia de trabalho. No caminho, ela é surpreendida por um homem (Abel Ferrara, parecendo um antagonista do subgênero slasher) e acaba sendo violentamente estuprada por ele. Desesperada, ela só pensa em ir embora daquele lugar, porém, ao chegar em casa ela é surpreendida por um intruso que, ao não encontrar nada de valor, resolve estuprá-la. A partir daí, a moça sai em busca de vingança, carregando uma pistola .45 com ela.
É através dessa premissa insana que Abel Ferrara trabalha de forma bastante inteligente a violência constante em seu filme, nunca soando um simples sádico, pois há sempre um motivo bastante coerente a ser abordado através deste tema. Aqui, o cineasta mostra que sua protagonista começa uma matança sem fim, primeiro por proteção, em seguida se transforma em um simples ato de vingança e chega ao extremo com a protagonista realmente ficando viciada com toda aquela sanguinolência.
O cuidado na criação da atmosfera da obra é realmente singular. Desde a fotografia ficando cada vez mais escura e opressiva, da trilha sonora perfeitamente encaixada na obra, da adesão de maquiagem e mudança do figurino usados pela protagonista durante a projeção, que a tornam realmente intimidante. No modo que Ferrara filma os becos da cidade, abusando do plano fechado (close-ups) e frontal.
A composição da persona de Thana feita por Lund é fascinante, desde a mudança em seu olhar do primeiro para o segundo estupro, da menina abalada, amedrontada e traumatizada, passando pelo espanto e a perca de inocência, indo até o grito silencioso, do olhar desolado até a naturalidade da transformação em uma espécie de femme fatale, uma vigilante noturna em uma incessante busca de vingança contra o sexo masculino.
O mais interessante na direção de Ferrara está na busca de planos longos durante as cenas que a protagonista é estuprada, mantendo sempre o foco no rosto dela, evitando o passeio pelo corpo da jovem, mostrando claramente que sua intenção é colocar o espectador na perspectiva da mulher sendo abusada, antecipando isso quando sua câmera filma as calçadas que estão preenchidas por homens lascivos, devorando as fêmeas com seus olhos e instinto de animais predadores.
A simbologia da obra também é bastante notável, desde o ferro de passar, a maçã de vidro vermelha, o homem colocando o saco no sexto do lixo (lembrando o modo que se coloca uma camisinha), o cachorro, os objetos cortantes (penetrando a carne) e até mesmo a sua arma.
Thana, a jovem doce, calada e assustada, que agora encontra sua voz em disparos de uma. 45, que acha o beijo um ato agressivo, que exala terror, ainda mais vindo de homens que exalam confiança. Confiança essa que a protagonista adora exterminar de seus rostos, substituindo-a por medo, sentindo prazer por fazer seres tão dominantes parecerem tão frágeis. Mas ela tem um ponto fraco, as lembranças em sua mente, e que ver a penetração como uma sombra que a persegue, sabendo que a mesma pode significar seu fim.
E isso culmina em um clímax bastante complexo e intrigante, quando o cineasta subverte os papéis de mocinha x vilão, nos deixando com uma enorme dúvida na cabeça: afinal, para quem devemos torcer no final? Thana é sim uma pessoa pura que foi corrompida, se transformando em uma espécie de anjo da morte - e que sua missão é trágica e prazerosa ao mesmo tempo. Ms. 45 vai muito além do que um simples filme de vingança, seguindo como um perfeito exemplo de que a exploração também é arte.
Scorcese é meu diretor favorito (no pódio com Kubrick e Hitchcock). Até hoje não me atrevi a escrever sobre ele com medo do sacrilégio. O Lucas Souza sempre diz que escrevo melhor para filmes ruins. Será que devo assistir somente filmes do Snyder e do Bay?
Hahahahaha nada, tem que arriscar e dar a sua visão de qualquer filme.
Cara...revi esse filme nesses dias ...
Simplesmente fodastico!!!Ferrara é Deus do explotation oitentista!!
Sim hehehe fodastico é pouco, o que ele fez aqui não é menos que espetacular. Pegou um tema batido, através de uma premissa insana e inseriu profundidade a obra, que virou referência quando se fala de exploitation.