"Não existe vida após a morte; existe vida após a vida". Paulo Cerqueira
O filme de Clint confunde muito sua temática e as emoções de seu personagem, assim como o conflito ideológico do personagem de Matt Damon, que enxerga sua maldição camuflada de dom, de falar com os mortos, saber os segredos mais íntimos das pessoas, debate o tema fé de forma individual e universal ao mesmo tempo, sem cair em maniqueísmos e nem mesmo soar pragmático, livre de julgamentos e refletindo, mais uma vez, sobre o peso da idade e a consciência sobre a morte que nos espera.
A morte, aquela que nos deixa inquietos pela culpa, a mesma que nos faz sentir uma sensação de apaziguamento em experiências de quase morte, sem fantasia, ao vivenciar a morte sem confrontá-la, apenas senti-la, tratando-a como um sentimento ou, porque não, uma experiência de vida. Mas esse está longe de ser o tema do filme. Não é sobre o post-mortem, mas sim sobre a vida antes dela. Da busca incompreensível de seus parentes por respostas, por uma confissão ou um simples adeus, ou seja, de questões não resolvidas em VIDA.
É irônico que o homem possui o dom de falar com os mortos, que possui um breve conhecimento sobre a morte, de como é estar em tal situação, queira fugir disso, que busca alguém para atar laços, formar uma família e ter paz, porém é perseguido por sua essência pouco compreendida, de ser uma espécie de padre que escuta os segredos mais obscuros e basicamente impossíveis de serem descobertos. Aqueles segredos que se leva para o túmulo, mas que agora podem ser revelados, mas que vem com o peso da solidão que foi arremessada em seus ombros, e que o consome cada vez mais.
Interessante notar a relação de George e seu irmão, Billy (Jay Mohr, ótimo). Ambos são bastante diferentes e tem visões (e ambições) opostas se tratando do dom de George. Billy ver como uma benção, e também um negócio muito lucrativo, enquanto George encara tudo como uma maldição que afasta as pessoas que ele gosta, atraindo os desesperados até sua porta, em busca de respostas, ou simplesmente um último contato com seus entes queridos que já ultrapassaram a linha da vida. A solidão do personagem fica bastante implícita quando ele se inscreve em um curso de culinária noturno e conhece a bela Melanie (Bryce Dallas Howard, impecável), com quem começa uma amizade bastante promissora.
Aliás, Melanie é, de longe, a personagem mais trágica da obra. Ela conhece George em uma aula de culinária, e parece bastante extrovertida, solta, feliz. Ao sair com George, ambos trocam alguns pequenos segredos: ela sobre seu fracassado relacionamento; e George sobre sua profissão, logo após atender o telefonema de seu irmão, falando sobre as sessões. A bela ruiva é movida por um misto de curiosidade e ceticismo acerca da mediunidade do protagonista. A revelação que ela recebe é impactante, algo que ela não queria dividir com ninguém, especialmente com um interesse amoroso. Foi uma experiência profunda e que ela não pôde lidar com isso. Aliás, esse fator só corrobora para a sensação de insistente solidão do protagonista, que acompanha da janela mais um possível afeto amoroso indo embora por causa de seu dom (ou maldição), e que ele sabe que isso o perseguirá por muito tempo.
São tantas perguntas sem respostas, que acabam ganhando nossa atenção. Afinal, para onde vamos? O que iremos desfrutar do outro lado? Se a morte é a única garantia que nós temos, qual o preço a pagar pela vida? A personagem mais otimista é Marie (Cécile De France, ótima), que mesmo com tudo contra, fica feliz de descobrir que existe algo além da vida, que tudo aquilo vivido por ela no Tsunami não foi apenas um delírio cientificamente explicado... Existe algo mais e isso a torna ainda mais cheia de vida para seguir em frente. É através do fim que ela encontrou um novo começo, uma razão para continuar.
A história mais interessante é dos irmãos gêmeos, Marcus e Jason (interpretados pelos gêmeos George e Frankie McLaren). Talvez seja o que demonstre melhor as intenções de Eastwood, de mostrar os laços feitos em vida e em como eles parecem se fortalecer após a morte. Jason morreu de forma trágica, atropelado, e seu irmão escutou tudo por telefone. Ele corre desesperadamente para encontrar seu irmão, que era como uma figura paterna: cuidava dele, o protegia, o guiava, pois sua mãe era viciada em drogas e emocionalmente instável. Agora, o irmão que sobreviveu se sente solitário, parece perdido, desolado, não entende o motivo do acontecido, ainda quer respostas, então decide buscar George, pois ainda acredita que há pessoas com o verdadeiro dom de se comunicar com os mortes. A cena da sessão de Marcus com George é piegas até dizer chega, porém consegue soar humana e extremamente tocante, no medo de dizer adeus e perder seu protetor, que o acompanhou pela vida inteira.
A melhor cena do filme sem dúvidas é sua abertura, não só pela incrível concepção visual de Clint (a cena do tsunami realmente impressiona pelo realismo), mas também pelas perspectivas de cada personagem: do monstro na visão da criança, no instinto de sobrevivência de Marie, de seu marido protegido, porém aflito acompanhando tudo de "camarote", do olhar para a natureza humana, em especial, para a curiosidade das pessoas (elas sabiam que era um tsunami, mas ainda sim esperaram para ver e terem a plena certeza disso). O mais interessante da cena é a percepção do cineasta sobre a vida e a morte, em como ela é valiosa pelo simples fato de não sabermos quando terá um fim, afinal, mesmo sendo uma área com bastantes registros de catástrofes naturais, nunca esperamos que vá acontecer com um de nós - e o pior, não sabe como lidar com algo não planejado. As visões de Marie (de sua experiência e no ponto de vista do público) veem que os laços que preenchem nossa existência são inquebráveis, nós os carregamos para o resto de nossas vidas e que, possivelmente, nos acompanham além, em nossa outra vida.
Obrigado pela estrelinha. 😁