[Kurosawa alia técnica e coração num filme sobre a vida em decomposição]
Akira Kurosawa é o cineasta mais proeminente nascido no Japão. Antes de iniciar a carreira no cinema pensava em ser pintor. Mas sua paixão pelo cinema falou mais alto e no fim das contas, optou por canalizar seu talento em storyboards que logo ganhariam vida na tela em movimento. Como todo bom realizador e autor de grandes obras, Kurosawa tinha suas preferências cinematográficas, o que incluía a escola americana. Seu apreço por trabalhos realizados em outros países não foi visto com bons olhos em seu país natal, onde ganhou -de maneira injusta- a fama de ocidentalizado.
Dos poucos motivos que deu para receber esse estereotipo, Viver certamente é um deles. Enquanto diretores como Ozu e Mizoguchi baseavam-se na exaltação da cultura e das tradições nipônicas, Kurosawa dispensou os saiotes e as espadas de samurai e optou por realizar um filme urbano, sem deixar de lado seu detalhismo e apelo emocional
Reconhecido pela crítica como um de seus melhores trabalhos, Viver aborda um tema que mais tarde se tornaria recorrente na carreira do diretor: a velhice. No plano de abertura, o filme abre com a imagem de um estômago. Na fala do narrador vem a explicação: “Este estômago é o protagonista da história.” O órgão humano pertence a Kanji Watanabe (Takaschi Shimura), um servidor público de longa data desanimado e sem perspectivas de ascensão na carreira, preocupado apenas em carimbar a papelada que chega até sua mesa.
Se sua vida profissional é monótona, a pessoal não é muito diferente. Viúvo e solitário, o burocrata tem poucos amigos e mantém uma relação distante com seu filho.
Quando descobre ser portador de um câncer maligno no estômago, ele resolve dedicar intensamente seus últimos meses de vida no projeto de um parque situado numa comunidade carente da cidade.
Em meio às dificuldades de levar a idéia adiante, Watanabe se envolve com os habitantes e renova seu ciclo de amizades. Sua mudança de hábito, entretanto, compromete o relacionamento com o filho e com seus superiores que interpretam mal todas as suas ações.
Com um enredo comovente, Viver faz um tratado fiel do homem à beira da morte em busca de um sentido para a sua existência. A cena onde o burocrata - hora eufórico, hora melancólico- percorre bares com um músico boêmio é emblemática para compreender perturbação vivida pelo protagonista.
Curiosamente, no mesmo ano, o diretor o neo-realista Vitório de Sicca lançou Humberto D., filme com temática parecida, sobre a parca situação de um idoso e seu cachorro na Itália do pós-guerra. Cinco anos depois foi a vez de Bergman se enveredar nesse tema com Morangos Silvestres.
Em termos de direção, Viver possui os habituais cacoetes da edição “multi-olhos” inventada por Kurosawa, que trabalha o ponto de vista de vários personagens numa mesma situação da trama. Apesar de ser um grande filme, não chega a fazer frente com os clássicos Rashomon, Sete Samurais e Ran.
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