[Filme marca a estreia de Charlie Kauffman na direção]
“Ele, vive em um mundo pela metade, entre o imobilismo e anti-imobilismo. E o tempo é concentrado, numa cronologia confusa. No entanto, até recentemente ele está lutando corajosamente para sua situação fazer sentido.Mas agora ele está se transformado em pedra.”
“Tudo é mais complicado do que você pensa. Você vê apenas um décimo do que é verdade.Há um milhão de pequenos textos anexados a cada escolha que você faz. Você pode destruir sua vida, cada vez que você escolher. Mas talvez você não saberá por 20 anos e você talvez jamais localize a fonte.”
Se fizessem uma lista com as pessoas mais inteligentes do mundo na atualidade, o nome Charlie Kauffman possivelmente estaria relacionado. Dono de roteiros ambiciosos como Quero ser John Malkovitch, Adaptação e Brilho eterno de uma mente sem lembranças, o autor não desperdiça ideias, excentricidades e obsessões em seus textos. Carregado de metalinguagem e verborragia, é marca registrada em seus personagens citações e conceitos de Kafka, Nietsche, Freud e outros intelectuais do seu nível de contundência.
Acontece que inteligência e criatividade não são sinônimos se sensibilidade. Algo que faltou em Sinédoque, Nova York , a estreia de Kauffman na direção. Ainda que vez ou outra, ele nos pegue de surpresa com suas tiradas nonsense, seus monólogos espirituosos e sua auto-indulgência, é notável que a liberdade criativa de comandar as câmeras o levou do equilíbrio ao excesso.
Assim como em Adaptação – e indiretamente em John Malkovitch- , Sinédoque, Nova York se baseia num alter-ego de Kauffman. Quando o diretor de teatro Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman, de Capote), sofre um acidente doméstico, sua vida muda de cabeça para baixo. Após ser clinicado por um oftalmologista e um neurologista, o dramaturgo descobre ter uma doença rara chamada sicose – “com uma letra fica psicose”, ele brinca com sua filha. Embora sua peça em cartaz seja sucesso de crítica, tudo piora quando sua mulher Adele (Catherine Keener) parte para a Alemanha com a filha Olive (Sadie Golstein), sem nunca mais dar as caras.
Entre um affair e outro com a atriz da sua última peça (Michelle Willians) e a bilheteira do teatro (Samantha Morton), Caden vai levando a vida como pode, sem muito entusiasmo. Um prêmio em dinheiro dado por uma entidade de apoio à arte, dá a ele um novo sentido a sua existência. Com a premiação, a autor pretende montar uma peça que irá legar a sua carreira à posteridade. E assim, ele recria dentro de um estúdio a cidade de Nova York em proporções gigantescas, com todas as virtudes e paranóias do mundo contemporâneo. A ambição pelo projeto que nunca termina – são décadas de ensaios - somado a desentendimentos com a companheira de sua mulher (Jennifer Jason Leigh) - ela transformou sua filha num projeto – ocupam-no compulsivamente. Obcecado por sua obra, Caden vira ator na própria peça em busca da perfeição. Já idoso, ele buscará um ator para interpretá-lo como ator para dar cabo à história. Mas afinal, onde encerra e onde termina esse círculo vicioso?
A ideia do autor engolfado pela própria criação é um tentáculo, mas não o núcleo narrativo de Sinédoque, Nova York. A ele somam-se outros temas recorrentes em trabalhos anteriores de Kauffman, como a vida e a morte; e a impossibilidade do homem, seja pra se relacionar ou em controlar o tempo. A diferença deste para os outros filmes é que cineastas como Spike Jonze e Michel Gondry sabiam podar as maluquices do roteirista.
Sob o comando de seu próprio texto, Kauffman não soube dosar os excessos do seu ímpeto criativo. Em situações como essa, o ego parece turvar o senso crítico do autor, por natureza genial. Algo não tão incomum, como pode ser visto nos últimos filmes da carreira de Fellini. O que não impede que o filme tenha passagens memoráveis, como a exposição de miniaturas da mulher de Caden e também a morte poética de um personagem tatuado. Embora embaralhe a cabeça do espectador, a passagem de tempo da vida do protagonista fica interessante quando a gente assimila o ritmo. Resumindo: é um filme que a gente entende tudo, mas não entende nada; gosta da mesma maneira que desgosta. Particularmente, vindo de quem veio, esperava mais. Pra dar um veredicto mais exato, requer um tira-teima…
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