[Mistérios e sonhos misturam-se nesse belo suspense de Roman Polanski]
Quando se fala do cinema de Roman Polanski, sempre há um paradoxo sobre o mito que ele criou para si entre tragédias pessoais e grandes obras-primas na carreira de diretor.
A visão pessimista da sociedade que culmina com a desintegração social e/ou psicológica de seus personagens tem tudo a ver com seu passado marcado pela morte da mãe num campo de concentração nazista, da mulher Sharon Tate esquartejada pela gangue de Charles Manson no final dos anos 60 e da acusação de assédio sexual a uma menor que lhe custou um confinamento perpétuo na Europa.
Os infortúnios da vida pessoal modelaram sua tragetória como diretor, preenchendo suas principais obras com fatalismos, paranóias e as mais sórdidas excentricidades.
É o caso de Repulsa ao Sexo. Neste filme, Polanski mergulha fundo nos mais obscuros pesadelos do subconsciente para retratar um trauma pessoal que evolui para uma crise de esquizofrênia. Catherine Deneuve interpreta a manicure Carole Ledoux, uma jovem e bela garota extremamente tímida e sexualmente reprimida.
Radicada da Polônia, ela vive em Londres num pequeno apartamento com sua irmã mais velha Helen (Yvonne Fourneaux), por quem devota um apego maternal. Durante suas idas e vindas do salão de beleza, Carole ouve obscenidades de um operário e é constantemente assediada por um homem que tenta a qualquer custo tirar sua virgindade. Durante a noite, passa tormentos ao ouvir a irmã fazer sexo com seu amante.
Numa viagem do casal à Paris, Carole isola-se no apartamento e passa a ter alucinações. Em sua loucura, mãos surgem da parede tentando tocá-la, sombras masculinas aparecem dos espelhos e homens surgem de todos os lados tentando violentá-la. Entre o real e o imaginário, ela comete assassinatos e suprime à total insanidade e auto-destruição.
Embora não seja uma obra-prima, poucos filmes são tão enigmáticos e reflexivos quanto Repulsa ao Sexo. Através dele, Polanski carimbou definitivamente seu passaporte para Hollywood onde três anos mais tarde realizou O bebê de Rosemary, seu primeiro grande trabalho em termos de notoriedade. Sua habilidade narrativa em filmar no curto espaço mostrou-se magistral, fazendo do pequeno apartamento da protagonista um personagem assustador. No processo de alheamento de Carole, toques surreais mesclam-se aos clichês usuais do terror.
Em sua realidade distorcida ela vê as dimensões da parede aumentarem e ruírem, o corredor diminui e torna o ambiente sufocante. Os closes no seu rosto de anjo formam um contraste aterrador frente a seus dêmonios internos.As influências de Buñuel e Hitchcock são sintomáticas nesse sentido, mostrando-se tão eficazes quanto evidentes na evolução da trama. A constante aparição de um grupo musical itinerante de velhinhos caquéticos parece ter saído direto de um dos trabalhos surreais do diretor espanhol. A aparição de alimentos em putrefação avançada dentro do apartamento apetecem o ritmo de suspense e conotam com a lucidez da protagonista.
Outro recurso bastante explorado por Polanski no filme é o uso climático de ruídos e sons. Nessa perspectiva, a trilha jazzística cai como uma luva, já que o diretor explora no filme um dos recursos mais utilizados nesse estilo musical: o silêncio. Em vários momentos, as alucinações de Carole são intercaladas entre cacofonias e silêncios intermitentes.
O desfecho do filme flui naturalmente, mas deixa algumas reticências para serem ruminadas pelo espectador. O que não deixa dúvidas é a interpretação primorosa de Catherine. Sua expressividade oscilante carregada de trejeitos afetados, criou uma personalidade singular, manipulando muito bem a duplicidade da sua personagem que diga-se de passagem é praticamente uma versão feminina de Norman Bates, de Psicose. Se Repulsa ao Sexo serviu de trampolim para a carreira de Polanski no Estados Unidos, a interpretação de Catherine certamente atestou-a para estrelar Bela da Tarde, sua personagem mais célebre.
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