[Um pequeno histórico sobre o vampirismo]
Desde que o escritor irlândes Bram Stocker, popularizou lá no século 19 o mito literário do vampiro, o cinema nunca mais parou de caracterizá-lo nas telas. Embora não seja o livro pioneiro do vampirismo, Drácula foi um divisor de águas no imaginário popular desse ser mitológico que sacia a fome e a solidão alimentando-se de sangue humano. A primeira referência cinematográfica à criatura de Stocker se deu no início das experimentações no cinema, precisamente em 1922.
Na época, o cineasta F.W. Murnau, sem ter os direitos autorais em mão, se apossou dos elementos de Drácula e mudou o nome do vampiro para Nosferatu – A Sinfonia do Horror. O filme revolucionou o cinema e tornou-se um dos expoentes do expressionismo alemão, caracterizado por uma narrativa onde permeiam o uso de sombras e o contraste de cores.
Ao tingir de azul as lentes preto-e-branco da câmera, Murnau imprimiu um tom ainda mais opaco à película, obtendo assim o teor soturno que precisava para sua obra. Max Schreck, o intérprete de Nosferatu, é assustadoramente bizarro. Dá pra se dizer que o cara incorporou de corpo e alma o personagem.
Uma figura tão assombrosa que despertou a imaginação de Elias Merhige que na década de 90 lançou A Sombra do Vampiro, filme que lança a suspeita de que Schreck, de fato, era um vampiro de verdade. Oito anos após Nosferatu, o conde Drácula aparecia legalmente pela primeira vez nas telas, interpretado por Bela Lugosi. Umas décadas depois e chegamos à série de filmes do vampiro protagonizados por Christopher Lee.
Voltando do túnel do tempo, vamos perceber que o vampirismo continua com sua popularidade em alta no cinema. A diferença é que hoje eles não são mais tão assustadores e sendo vistos até com certa condescendência em determinadas produções. Filmes como Helsing, Blade e Anjos da Noite ainda colocam humanos e vampiros no front, mas as séries Buffy, Angel e Supernatural e o sucesso do filme Crepúsculo deram uma nova leitura a essas criaturas, mesmo que ainda exista o conflito.
[Nosferatu de Werner Herzog]
Após a era do expressionismo alemão no cinema, um novo movimento só apareceu no país europeu na década de 70, onde diretores como Werner Herzog, Win Wenders e Reiner Fassbinder fortaleceram a nova geração chamada novo cinema alemão. Com a idéia de fazer uma ponte entre essas duas fases, Herzog comandou em 1979 a refilmagem de Nosferatu. Não diria que o cineasta melhorou a obra original, mas sem dúvida trata-se de um trabalho bem representativo. Há diferenças conceituais, de ritmo e de gênero entre os dois filmes. Enquanto o original se reveste na teatralidade do cinema mudo para contar uma história de horror, o longa de Herzog é um suspense atmosférico ambientado sob matrizes góticas.
Nosferatu – O Vampiro da Noite abre com uma compilação de imagens em enquadramentos fechados de animais e criaturas bizarras. Um morcego dá um rasante na tela e desperta Lucy Harker (Isabelle Adjani) de seu pesadelo insinuante. Mesmo consolada pelo marido Jonathan (Bruno Ganz), logo se percebe que a visão se constitui num evento premonitório na vida do casal. Enviado a Transilvânia para tratar da compra de um imóvel, Jonhatan é apresentado a conde Drácula (Klaus Kinski), um aristocrata recluso e soturno.
Contrariando as advertências do povoado local e sem dar muita atenção a um livro que fala da estranha criatura que habita a região, o agente imobiliário não teme as lendas em torno do castelo de Drácula e encaminha a negociação com seu proprietário. Logo ele se vê vítima do vampiro que o mantém prisioneiro no castelo.
Infiltrado num navio cargueiro, Drácula ruma para Wismar, na Alemanha, na companhia de ratos abrigados em caixões. Seu objetivo é encontra-se com Lucy, com quem espera selar seu destino.Antes disso, porém, espalha a peste negra pelo navio, matando todos os tripulantes da embarcação. Em pouco tempo a doença infesta a cidade.
Enquanto isso, Jonhatan consegue escapar do castelo e retorna a cidade com o livro que ensina a aniquilar a criatura. Lucy então tenta persuadir o Dr. Van Helsing para eliminar Drácula. Acontece que a racionalidade do cientista o repele a agir conforme as crendices do livro do vampiro.
Ao contrário da obra de Stocker e do filme de Murnau, o vampirismo de Herzog não é visto como algo horripilante. Está mas para trágico. Acima de ser uma criatura assustadora e má, o Drácula/Nosferatu de Klaus Kinski é também um ser abatido; emocionalmente fragilizado. Que sufoca as pessoas que ama. Incapaz de controlar suas ações desacertadas. Representando o pragmatismo científico, o Dr. Van Helsing passa longe do estereótipo do caçador de vampiros. É apenas um velho pesquisador, alinhado ao ceticismo. Que reluta em doutrinar seus atos baseado em crendices.
Embora não seja sua grande obra, Werner Herzog fez de O Vampiro da Noite um trabalho magistral. Uma obra reflexiva, com ritmo lento e poderoso, onde o cineasta desfia suas temáticas com uma originalidade agradavelmente perturbadora. As cores frias e o paisagismo gótico das imagens são frutos de um excelente trabalho de fotografia de Jörg Schmidt-Reitwein.
O roteiro adaptado pelo próprio diretor é até mais consistente que o texto original, onde a frigidez pálida e recatada do casal é embocada assim como toda a cidade pela infestação carnal do vampiro e seus ratos, que acabam corrompendo o homem. Visto por essa forma, é até possível fazer uma leitura de Drácula/Nosferatu como um anti-herói, aquele que faz as pessoas transcenderem a pureza.
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Rapaz... Excelente texto! Está obra não perde em anda para a original...