Duelo entre David Frost e Richard Nixon é também um duelo de atuações em filme de Ron Howard
O escândalo Watergate é uma página negra da história americana. Mas ao contrário de outros colapsos que abalaram os Estados Unidos como a Guerra do Vietnã, a crise de 29 ou o assassinato de John Kennedy, esse incidente deu pouco pano para a manga no cinema. Seu exemplar mais conhecido e contundente é Todos os Homens do Presidente. O filme lançado em 1976 por Alan J. Pakula disseca os percalços que levaram os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein a desmascarar o presidente Richard Nixon e sua conduta criminosa de solicitar escutas na sede do partido democrata.
Além desse filme, umas poucas menções a Watergate foram abordadas em Nixon, de Oliver Stone, e uma paródia ainda foi feita por Robert Zemeckis em Forrest Gump. Passados 26 anos do incidente, o diretor Ron Howard (Uma Mente Brilhante) retoma as repercussões do escândalo em Frost/Nixon, num belo trabalho que retrata os bastidores da entrevista do apresentador britânico David Frost com Richard Nixon, três anos após o chefe de estado ter renunciado a presidência. A conversa, gravada em quatro dias diferentes, foi marcada por estratégias e momentos tumultuosos nos bastidores.
Enquanto Nixon pretendia valer-se da sua retórica e fazer da entrevista um trampolim para a renovação de sua carreira política, Frost buscava retornar aos Estados Unidos onde não obteve sucesso com seu programa de variedades. Para isso, teria que fazer com que Nixon admitisse seus erros e explicasse Watergate, assuntos que não vieram à tona no seu discurso de renúncia. O material gerou uma das entrevistas mais vistas da história da televisão e ganhou os palcos antes de ir às telas.
Representando os mesmos papéis da montagem teatral, Michael Sheen – o Frost – e Frank Langella – o Nixon – protagonizam um duelo pessoal pela melhor performance; tão acirrado quanto a própria disputa travada pelos personagens reais no incidente. Na vida real Frost levou a melhor. Na ficção, o Nixon de Langella foi quem ganhou indicação para os festivais, inclusive ao Oscar de melhor ator.
Visto por muitos como um diretor de mão pesada, Ron Howard mostra em Frost/Nixon sua capacidade de surpreender. Se em trabalhos anteriores o cineasta produziu filmes maçantes, nesse ele abriu mão da habitual mesmice burocrática. Filmes políticos são geralmente chatos e tediosos e são bem diferentes do clima eletrizante e da estrutura movimentada do filme que ele concebeu. Para ter esse efeito, colaboram a edição em forma de making-of -com assessores do político e do apresentador narrando os episódios para as câmeras- e a habilidade do diretor atrás das câmeras. Um close-up aqui, outro ali e as lentes vão revelando imagens fortes, onde uma única expressão ou um silêncio embaraçoso são vitais para a compreensão dos fatos.
Nesse aspecto, outro recurso importante é a trilha sonora de Hans Zimmer. É ela, ou a ausência dela, que ambientam o suspense e aguçam o poder das imagens. Mas nada foi mais importante para o mérito do filme do que a caracterização de Langella e Sheen de seus personagens. David Frost é o apresentador de auditório mulherengo e de erudição rasa, mas brilhante na frente das câmeras. E Sheen transparece bem essa essência.
Nos primeiros dias de entrevista ele é engolido pela sabedoria e a imponência sofista de Richard Nixon, um leão ferido, mas sedento para sair da jaula de isolamento que é sua vida fora da vida pública. Uma das cenas mais emblemáticas do filme acontece quando o presidente, embriagado, liga para Frost e desabafa antes nas vésperas da última gravação: dessa disputa, só um deles vencerá… Não foi fácil para Langella humanizar um dos presidentes mais odiados dos Estados Unidos. E ele conseguiu. É impossível não se compadecer com a derrocada política e até mesmo psicológica de Nixon.
Com tantos adjetivos favoráveis, Frost/Nixon só podia entrar para a safra dos grandes filmes sobre os bastidores da política e da comunicação de massa tais como, Rede de Intrigas, Todos os Homens do Presidente , A Montanha dos Sete Abutres e o recente Boa Noite, Boa Sorte. Mesmo não tendo levado nenhuma estatueta das cinco que concorreu no Oscar, faz um recorte interessante de um episódio histórico ainda não apagado na sociedade americana.
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