[Segunda parte do filme ilustra o revés de Che Guevara na Bolívia]
No seu livro de memórias, Ernesto “Che” Guevara tem uma frase célebre “Deixa o mundo mudar-te, e podes mudar o mundo”. Sua avidez em materializar a poesia na realidade foi a primeira bala a penetrar na carne, muito antes daquela desferida pelo exército boliviano após sua captura graças ao aval dos camponeses, aqueles por quem sempre lutou. O otimismo nas ações de guerrilha e a convicção de suas idéias marxistas foram os pregos do caixão que Che pregou em si mesmo ao abandonar Cuba e levar a revolucíon adiante para outros países.
Se em Che – O Argentino ,o diretor Steven Soderbergh retrata o auge do guerrilheiro, na continuação Che – O Guerrilheiro, assistimos ao seu declínio. Do céu de Havana ao inferno da selva boliviana. Em março de 1965, Che Guevara pediu seu afastamento da coordenação do Ministério da Indústria cubano. Em poucos dias, desapareceu do país sem deixar rastros. Nem sua esposa sabia de seu paradeiro. Através de uma carta lida por Fidel Castro num pronunciamento oficial soube-se que ele havia deixado o país para conduzir os ideais do comunismo em outras nações que necessitavam dessa transição.
O filme não mostra sua ida ao Congo. Muito menos deixa explícito o alvoroço que causou o seu sumiço. Líderes de estado do mundo todo ficaram alvoroçados com a possibilidade do guerrilheiro infiltrar-se no país e insuflar uma luta armada. Outro aspecto não ilustrado foi a sua saída da ilha caribenha. Até hoje se especula que um dos motivos de Che ter abandonado Cuba foi suas divergências ideológicas com Fidel Castro. Enquanto o ditador cubano se espelhava nos dogmas comunistas da União Soviética, o argentino tinha mais apreço pelo comunismo chinês voltado aos camponeses. Mas isso tudo é um assunto controverso e que dá muito pano pra manga. Portanto, voltamos ao filme.
Após mudar de aparência e falsificar um passaporte, Che Guevara chega à Bolívia e inicia os trâmites de uma nova revolução. Acontece que nem o partido comunista e nem os próprios bolivianos se empolgam em levar a idéia adiante. Consegue reunir um punhado de fanáticos e no desespero faz vista grossa à entrada de menores de idade e analfabetos no movimento. Nem assim consegue o apoio que precisava. Para piorar, os camponeses, que foram vitais na ocupação de Cuba , mostram-se omissos e sem forças para lutar contra o governo. Pior que isso, eles não gostam de estrangeiros e preferem sucumbir às chantagens do exército a obedecer a forasteiros que nada tem a ver com eles.
Se no primeiro filme, Soderbergh abusou dos enquadramentos abertos, aqui ele extrapola. Quase todas as cenas são filmadas com o foco distante dos personagens. São raros os closes até no próprio protagonista. Matt Damon faz uma aparição relâmpago no filme, mas quase não é reconhecido. Com a câmera aberta na mata boliviana, vemos uma vegetação com cores opacas. Diferente da vibrante selva cubana. As florestas descampadas reforçam o isolamento e o território hostil onde o argentino asmático foi se meter.
De certa maneira, o movimento armado boliviano já nasceu morto. Inexperientes e desorganizados, os combatentes se desentendem entre si e sequer obedecem as ordens de Che. Contando com o apoio da CIA, o exército boliviano não encontra dificuldades em desmantelar os rebeldes. Delatado por camponeses, inevitavelmente, o líder guerrilheiro é encurralado e preso. O presidente René Barrientos ordena a morte de Che Guevara já no dia seguinte, pois segundo ele: “O maior erro que Batista cometeu em Cuba foi não ter matado Fidel enquanto podia”.
Estava feita a lenda. Morto como mártir, Che Guevara hoje é um mito. Um subproduto do capitalismo tão forte quanto o McDonalds ou a Coca-cola. Não é de se estranhar que a divulgação do filme faça acelerar a venda de camisetas com a mesma foto tirada pelo fotógrafo Alberto Korda há quase 50 anos. Mas sua luta e seu legado, entretanto, não foram em vão. Basta ver o perfil do levante de novos presidentes eleitos na América Latina, sobretudo de Hugo Chavez – leia-se Fidel Castro com petróleo.
Embora seja um projeto audacioso, Che- O Guerrilheiro deixa a desejar. Além de ser mais apagado que a primeira parte, o filme soa inerte, burocrático, arrastado. Não o arrastado dos épicos de guerra de Terrence Malick (que abandonou o projeto e deixou a peteca na mão do Soderbergh, assinando apenas o roteiro), mas um relaxamento técnico, como se o cineasta tivesse feito cera para levar a parte final adiante ou cumprir o prazo da produção em dia. O próprio Benicio Del Toro é menos exigido e se mostra muito mais funcional que na parte anterior.
Uma das poucas cenas inspiradas de Soderbergh é a morte do revolucionário. O desfecho é meio crítico, meio poético, e sugere um Che reflexivo com aquele olhar sonhador, ruminando um momento crucial de sua vida. Como se estivesse se perguntando se fez ou não a escolha certa. Numa imagem que renderá muitos botons, adesivos, camisetas e boinas bordadas aos novos camaradas e fãs do Rage Against The Machine…
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