A Nova York da década de 70 era vista como uma cidade perigosa, infestada de gangues de rua, vândalos e estupradores. Mas até então Chicago, São Francisco e Los Angeles também eram retratadas como locais ideais para histórias de vingança, policiais truculentos e marginais selvagens. Mas foi mesmo em Nova York que surgiu o arquiteto vingador Paul Kersey, imortalizado por Charles Bronson, e que, de sucesso de bilheteria (e de críticos como eu), logo se tornaria uma franquia cada vez mais decadente e apelativa.
A vida do arquiteto Paul Kersey (Charles Bronson) parecia perfeita. Esposa amorosa, ótima profissão e filha casada com um bom genro. Mas não é de vidas perfeitas que os filmes são feitos, então uma gangue de vândalos invade sua residência, espanca praticamente até a morte sua esposa e tentam estuprar sua filha. A polícia não consegue prender os culpados, sua esposa falece e sua filha entra em uma espécie de estado catatônico devido ao trauma. Após um período de confusão, Kersey percebe que o cidadão comum tem de proteger a si mesmo, tal qual funcionava no velho oeste. Munido de um revólver calibre 32, começa a matar pequenos ladrões que encontra em passeios noturnos, logo atraindo a atenção da polícia e da mídia, que o elege como um misterioso vigilante.
Em resumo, o filme é bom. Dizem que os homens matam por duas razões: Dinheiro e Honra. A vingança de Kersey pode ser encaixada em Honra e com certeza massacrar criminosos desperta a simpatia da maioria da população. Muitos foram os personagens criados a partir dessa ideia, e curiosamente, Frank Castle, o Justiceiro da editora de histórias em quadrinhos Marvel surgiu justamente no mesmo ano de lançamento de Desejo de Matar. A razão de tanto sucesso de ambos os personagens, Kersey e Castle, e também de Dirty Harry (Clint Eastwood) e tantos outros policiais de dedo fácil, é que encarnam o sonho de muita gente comum: aplicar a justiça com as próprias mãos, ter ao menos a satisfação de não deixar que os criminosos escapem impunes. Desejo de Matar constrói uma história bem simples. Um homem que sempre se posicionou contra a violência, tendo inclusive participado da Guerra da Koreia como opositor consciente, parte da brigada médica, vê a violência adentrar sua vida e destruí-la. O filme não se baseia apenas nesse fato para transformar o protagonista em um vigilante impiedoso. Sua consciência vai se alterando gradativamente. Primeiro se decepciona ao presenciar o descaso e incapacidade da polícia. Depois, em uma viagem a trabalho pelo Texas, vê uma encenação sobre o velho oeste, na qual o xerife enfrenta um grupo de assaltantes de banco. Então, seu cliente o convida para um clube de armas, despejando sua filosofia em Kersey: “Diabos, uma arma é apenas uma ferramenta, como um martelo ou um machado. Manter raposas longe do galinheiro, ladrões de gado fora das propriedades e bandidos fora dos bancos. Este é um país de armas.” Para completar a transformação, ainda o presenteia com um calibre 32. Bons tempos nos quais era possível transportar de tudo nos voos comerciais dos Estados Unidos, facilitando a vida de muitos vingadores e dos roteiristas. De volta a Nova York, ao sair armado, Kersey acaba matando o primeiro marginal meio que por acidente, mas logo toma gosto pela coisa e os números vão aumentando. Como os índices de crimes na região sofrem uma queda devido à ação do misterioso vigilante divulgada pela mídia, os políticos pressionam o detetive responsável pela investigação a apenas localizar e convencer o vingador a sair da cidade, sem que atraia nenhuma atenção. Desejo de Matar segue um roteiro coerente, sem apelar apenas para tiroteios espetaculares. Justamente por isso conseguiu cativar o público daquela época.
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