“-O que você mais gosta na música?
- Pra começar, tudo.”
Transpirando reverência do início ao fim, “Quase Famosos” é um daqueles filmes incríveis que talvez não encantem por apresentarem grandes revoluções técnicas ou inovações narrativas, mas por traduzir como poucas obras um sentimento. O significado histórico da música, o aprendizado, as paixões, toda espécie de tema de interesse pode ser observado durante as suas duas horas de duração, preenchidas (ou melhor dizendo, compostas) por uma trilha sonora sublime.
Tanta paixão parte, inicialmente, de seu argumento: Cameron Crowe escreveu uma “quase” cinebiografia, baseada nas suas primeiras incursões enquanto jornalista da icônica revista musical Rolling Stone. William Miller (Patrick Fugit) é um adolescente de 15 anos, que se interessava cada vez mais a seguir na carreira de jornalista, escrevendo sobre música nas grandes revistas. Tímido, cresceu no fogo cruzado entre sua irmã rebelde (Zoey Deschanel) e sua mãe excêntrica e super-protetora (Frances McDormand), tendo a primeira fugido de casa. Ao receber uma proposta para escrever para a Rolling Stone, embarca em turnê junto à banda Stillwater, cruzando parte do país com o grupo, convivendo assim com seus sucessos, prazeres e conflitos.
A estrutura de road movie é um elemento essencial para seu êxito. Para além das belas paisagens, é possível captar o cotidiano dos músicos da banda e de todos que o cercam como uma realidade distinta do jovem William, em que não há casa, domicílio ou lar que não seja a estrada. Como não se lembrar de um de seus diálogos com Penny Lane (Kate Hudson), em que diz que apesar de morarem na mesma cidade, parecem viver em mundos diferentes?
O modo como a narrativa se desenvolve é interessante ao retratar a jornada de descobrimento de William. Da realização de um sonho de adolescente, de sair em excursão com uma banda que você ama, à frustração de encarar a realidade, de todas as disputas que existem entre seus ídolos, chegando à conclusão de que seus heróis não são deuses. A crescente aproximação entre William e Russel Hammond (Billy Crudup), guitarrista e mente criativa do grupo, se torna, inclusive, um ponto chave em sua trajetória. Sim, pode-se afirmar que os problemas retratados em “Quase Famosos” foram minimizados, tratados de forma caricata. Mas o foco do filme jamais seria esse. Os relacionamentos interpessoais são colocados em segundo plano, pois, em sua essência, “Quase Famosos” é primordialmente a declaração de amor de um homem à música e a tudo que a mesma representa. E nesse sentido, o idealismo só faz agregar.
Essa bela homenagem ao rock n’ roll não teria a mesma força sem um elemento primordial (e já citado): a trilha sonora. Embora o final dos anos 60 tivessem representado um grande abolo no idealismo e esperança dos jovens americanos, o início dos anos 70 representou um auge criativo dos mais diversos gênios da música. A ambientação se torna verossímil em grande parte pela seleção musical, com faixas escolhidas a dedo para colorir cada momento. Joni Mitchell, Lynyrd Skynyrd, Simon and Garfunkel, Led Zeppelin e, claro, Elton John (que com sua linda “Tiny Dancer”, eleva um dos momentos mais comoventes do filme) são algumas das pérolas reproduzidas.
O elenco afiado nos entrega personagens cativantes. Patrick Fugit constrói um William reservado, sensível, mas inteligentíssimo e observador, tendo uma ótima química com Billy Crudup, que faz de Russel um personagem humano, pretensiosamente seguro de si, mas cheio de fragilidades. No entanto, a justiça deve ser feita: Kate Hudson e Frances McDormand são os destaques absolutos. Frances encarna uma personagem cheia de idiossincrasias e particularidades, e é nítido que seu comportamento sufoca os filhos. Porém, transmite acima de tudo uma mãe apaixonada e de dedicação inabalável, que faz com que entendamos sua aflição. E a Penny Lane de Kate Hudson (lindíssima no papel) é simplesmente apaixonante. Como não lembrar da cena em que William lhe revela a verdade sobre seu relacionamento com Russel? Ou quando fazem planos pela primeira vez para ir ao Marrocos? A personagem dá energia ao filme do início ao fim.
Por fim, Philip Seymor Hoffman surge como a cereja do bolo. Na pele do crítico musical Lester Bangs, atua como uma espécie de tutor de William, celebrando alguns dos diálogos mais memoráveis do filme. De voz marcante, presença, e completo domínio de seus papéis, Hofman faz uma falta que simplesmente não pode ser medida
Uma ode às paixões juvenis, uma declaração de amor à música, a exaltação de um estilo de vida. Muitas são facetas de “Quase Famosos”, e muitas vão ser a formas como vou enxerga-lo ao longo dos anos, mas nunca será com indiferença ou desdém de qualquer forma. Sua beleza singular não me permitiu ficar indiferente ao assisti-lo aos meus 15 anos, e com toda certeza ainda me comoverá quando estiver cheio de rugas e décadas nas costas. O rock n’ roll jamais receberá tão bonita reverência.
"Como é perversa a juventude do meu coração
Que só entende o que é cruel e o que é paixão"
Belchior
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