Sobre indivíduos, máquinas e muros
O diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, reconhecido majoritariamente pelo filme "O Som Ao Redor" (2012, Brasil) já anunciava anos antes da criação de seu longa uma fascinação no estudo do ser social moderno. A inserção da música de abertura "Eu Queria Morar Em Beverly Hills" do artista Wander Wildner, que anuncia o que será dissecado nos próximos minutos de exibição, já nos antecipa, em conjunto com as imagens do cotidiano dos cidadãos do Bairro do Setúbal do Recife, um certo perfil dos personagens que nos serão apresentados(e evidentemente sobre o que a obra discursará).
Movidos por desejos materiais ditados por um mercado cada vez mais dominante e opressor,a vida da cidade é restringida à olhares curiosos que partem de janelas fechadas por grades, brincadeiras de crianças restritas aos limites dos prédios que surgem e reproduzem-se com velocidade assustadora(podendo ser equiparada à um monstro de filme de horror que busca seus objetivos de forma implacável e silenciosa).
Apesar do filme abrir com a informação do local e período em que os personagens se encontram, a análise de Kleber não se restringe a limitações geográficas e temporais(uma vez que está análise realizada em pleno ano 2016 é capaz de atestar que os hábitos e costumes do indivíduo dos anos 90 no Brasil não sofreu alterações consideráveis em sua genealogia). Há no tratamento de sua "ficção" um teor documental que nos evidência, quase em tom de advertência, os efeitos da urbanização moderna sobre o homem.
Através de um acompanhamento praticamente voyeurístico de uma família da classe média recifense nos é entregue, de forma econômica e concisa as rotinas do cidadão que formaria o novo milênio. O maquinário moderno que invadiu as casas e as vidas dessas pessoas fundem-se de forma praticamente orgânica(tal qual um conto cronenberguiano). É na figura do carrinho de controle remoto que rodeia o apartamento fechado, do vídeo game, da televisão nova, do aspirador de pó e principalmente da máquina de lavar(tão chave e imponente no filme que chega a determinar sua duração) que encontram-se os prazeres desse núcleo familiar isolado do contato humano.
Vale ressaltar neste texto a preocupação percebida do autor ao expor o processo de desumanização do ser através da condição urbana imposta ao indivíduo(a cena da manga sendo jogada por cima de um muro para um necessitado é precisa nesse sentido). O medo, principal moeda das construtoras e justificativa para o levante dos muros da cidade, divide não só estruturas mas principalmente sentimentos. Embora seja uma cena breve no filme, o tema viria a ser abordado com maior ênfase anos mais tarde pelo longa citado acima neste texto.
Embora o retrato exposto pelo Kleber em seu filme chegue a imprimir uma visão quase pessimista de nossa sociedade, ele finda sua obra de forma um tanto quanto esperançosa, nos apresentando um desfecho onde a anarquia natural do homem, na figura das crianças ao se aproveitar do ritual da mãe com a máquina de lavar para "comer pipoca antes do almoço", nos entrega um possível futuro onde a rebeldia talvez nos salve de uma trilha marcada por muros e humanos trancafiados entre grades e medos. E bem, o futuro chegou.
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