Primeiramente, antes de começar o texto propriamente dito, informo aos leitores que chamarei o filme apenas pelo seu nome original, “Easy A”. Não como um protesto contra os tradutores de títulos do Brasil, que ou são disléxicos ou precisam seriamente de um curso de inglês para fazerem traduções dignas do nome original dos filmes, até por que o adotado não dá uma visão errada da produção (até poderia ser usado pelo filme original), mas para lembrar que o título original faz referência a uma das (muitas) grandes sacadas do filme. Faço isso meio como um protesto contra o caráter sempre de “guilty pleasure” de filmes dessa temática, já que a maioria vai cheia de idéias pré-concebidas acerca da qualidade e não assumem que deram boas risadas e viram um filme inteligente. Pois ninguém imaginaria que esse estudo da juventude americana seria tão melhor que qualquer coisa de Gus Van Sant, não denegrindo o trabalho desse diretor (que é muito bom, na verdade), mas o Easy A dirigido por Will Gluck é melhor, por que ainda damos boas risadas enquanto vemos um ótimo estudo da adolescência.
Agora, tentando começar com algum profissionalismo, acabando com o momento desabafo e excluindo a primeira pessoa do texto, Easy A é um daqueles que conseguem transcender a seu público aparente, como “Meninas Malvadas” anos atrás. Mesmo que os dois tenham diferenças, pois o mais antigo era quase uma sátira do subgênero high school e possuía um teor mais escatológico, enquanto o novo aposta nos diálogos e referências elegantes. Mas o mais importante, era que ambos sabiam o jeito certo de conquistar seja pelas piadas seja pelo desenvolvimento dos personagens.
Voltando para o pretensioso protesto do primeiro parágrafo, um modo de explicar a descrença com que muitos encaram a trama desses filmes pode ser representado pelo uso da narração durante todo o filme. Muitos acham que esse artifício diminui os méritos de qualquer filme, já que acham que os sentimentos e conclusões devem ser mostrados por imagens ou diálogos sutis, e não explicitada em narrações. Entretanto, ambos utilizam esse artifício de forma tão bem humorada e natural, que o excesso de narração fica cômodo tanto para a comédia quanto para o desenvolvimento dos personagens. O roteiro de Easy A vai mais além, pois é tão esperto e bem elaborado, que esse recurso não só contribui para a trama fluir bem, mas também pode ser justificado por dar um das definições dos jovens que permeiam por todo o filme.
A narração é contada na forma de um vídeo de webcam da protagonista, que descreve sua versão dos fatos de como foi considerada a maior vadia da escola e as explicações das atitudes e acontecimentos que levaram a isso. Mas a sua inteligência e amadurecimento precoce abrem as portas para discutir diversos outros assuntos que permeiam a vida escolar. Ela debate questões como religião, homossexualidade, auto-estima, bullying, puritanismo, romantismo, o desejo de atenção dos jovens, John Hughes, o limite da bondade e literatura desconhecida e esquisita.
A história em questão é a de Olive (a ótima Emma Stone), que é uma daquelas inteligentes o suficiente para ser a preferida do professor de literatura e ser sarcasticamente perfeita em cada frase, mas não o suficiente para livrar-se dos exagerados dilemas sexuais, de popularidade e de beleza presentes na maioria dos alunos do Ensino Médio. Aparentemente, Olive não transparece esses problemas existenciais como sua melhor amiga Rhiannon, desesperada em perder a virgindade e ser popular, mas ela mostra seu lado menos maduro quando pressionada por essa amiga, mente que perdeu a virgindade no fim de semana. Ouvida pela líder do grupo religioso do colégio, a notícia espalha-se por toda escola dando a Olive uma popularidade nunca antes alcançada.
Encarando inicialmente a situação com bom humor e sarcasmo, inclusive as mentiras que exageram a contada por ela mesma, Olive começa a trilhar o caminho para alcançar uma reputação mínima quando usa sua fama para ajudar um amigo. O amigo em questão é Brandon, que convence a protagonista a fingir uma transa na festa da garota mais popular do colégio. Até aí nenhuma novidade, entretanto, Brandon é homossexual, que cansado de um ambiente escolar conservador que rejeita sua condição, pede uma ajuda à colega para conseguir sobreviver a essa fase da vida sem ser atormentado.
Conjuntamente com as notícias de seu caráter de “fácil” por todo o colégio, corre por fora a verdade, de que Olive não é o que dizem ser e aceita ficar de mentira com qualquer um por algum dinheiro ou vale-presente (ela não é tão politicamente correta assim), dando em troca uma chance de notoriedade para aqueles que estão na base da escala social da escola.
Durante esses últimos acontecimentos, Olive perpetua sua nova reputação vestindo roupas mais provocantes e inserindo um grande “A” vermelho em todas as suas roupas, o que faz alusão ao título original do filme. Essa referência, que na verdade influenciou o roteiro do filme, foi retirada do livro “A Letra Escarlate” de Nathaniel Hawthorne, cuja história se passa num “longínquo Estados Unidos puritano”, no qual uma mulher considerada adúltera é obrigada a usar uma letra maiúscula em suas roupas e é hostilizada por todo seu povoado. Livro coincidentemente passado pelo professor de Literatura da escola de Olive, e tendo consciência desse ambiente escolar forçadamente e falsamente casto, ela usa essa referência para fazer uma crítica a esse sistema escolar, além de apontar sua própria condição de injustiçada.
Lotado de diálogos astutos e citações interessantes, o roteiro de Easy A é um deleite de inteligência desde o desenvolvimento de seus personagens até as cenas de comédia. Ele conserva alguns maneirísmos do gênero, mas os pontos de desconstrução das regras são ainda mais latentes. O interesse romântico é tratado de forma mais sincera que o normal (não é só um ator sendo bonito), e a presença dos pais é mais cômica do que de contribuição para o desenvolvimento da protagonista. As cenas de comédia limitam-se a diálogos e pouca escatologia, e são muito bem amparadas por um ótimo elenco.
Entretanto, o que são inúmeras qualidades de história e boas cenas de comédia quando temos o nascimento de uma nova musa do cinema diante dos olhos do espectador?
Considerada uma das maiores revelações dos últimos anos, Emma Stone já havia deixado sua marca em produções como “Superbad”, “Casa das Coelhinhas” e “Zumbilândia”, mas só agora teve a chance de ter uma produção para brilhar sozinha, o que consegue com muito louvor. Se considerarmos o ótimo elenco coadjuvando em volta dela então (e a química aparente dela com todos que estão em cena), só confirmam que provavelmente estamos diante de uma nova estrela. E se não bastasse marcar a comédia adolescente como apenas uma Lindsay Lohan anos atrás, entrar nos corações nerds tanto em Superbad quanto Zumbilandia, ela prepara seu mais ambicioso vôo para o estrelato sendo o interesse romântico do próximo Homem-Aranha. Até pode-se dizer que o pequeno sucesso de Easy A (tanto comercialmente quanto pela confirmação de seu talento), tenha sido levado em consideração para a fofa atriz conseguir esse importante papel em sua carreira, mas apesar da trajetória meteórica (14 filmes em 6 anos), a trajetória da bela (e na verdade, loira) atriz tem uma história digna de estrela.
Como muitas atrizes anteriormente, seu interesse em atuar apareceu desde criança, quando participava de peças escolares. Mas não foi um incentivo massivo dos pais ou estar no lugar certo e na hora certa que fizeram Emma iniciar sua carreira profissional. Ela simplesmente conseguiu convencer a mãe com uma apresentação de PowerPoint a levá-la para Hollywood para tentar a sorte, mudou-se com ela aos quinze anos de idade para Los Angeles e ainda por cima largando a escola. Inicialmente, começou a aparecer em séries de TV, com pequenas participações e pouco reconhecimento, mas depois conseguiu um papel em Superbad, todos já devem concluir o que aconteceu. Enfim, Emma Stone, em sua curta carreira, já promete ultrapassar o ostracismo de Alicia Silverstone de “As Patricinhas de Beverly Hills” e as polêmicas de Lindsay Lohan, já que não precisou de uma comédia adolescente para empurrá-la ao estrelato, mas de um filme que só confirmou sua beleza e carisma para o público, que se identificou com ela com sua sincera e divertida atuação.
Falando em atuação, Easy A cumpre um dos principais requisitos para o funcionamento das comédias: interpretações inspiradas e entrosamento de sobra. Como já foi descrito antes, Emma Stone está confortável com todos em cena, sendo isso também passado pelo restante do elenco. O destaque fica para os veteranos, como Thomas Haden Church, Patrícia Clarkson, Stanley Tucci, Lisa Kudrow e Malcolm McDowell, mas o conjunto é muito bom. Talvez um dos erros do filme seja que o bom tratamento do personagem de Stone faz que os personagens desses atores sejam tratados superficialmente, mas ao mesmo tempo esse distanciamento rende interessantes características, por exemplo, os pais de Olive começam como aqueles pais que confiam fielmente na filha e terminam o filme assim, sem interferências clichês e piegas à trama.
No fim, depois de apresentados a uma boa comédia e uma divertida visão da juventude atual, fica uma mensagem maior, daquelas que fazem o filme engrandecer ao habitual do gênero. Após tentar convencer todos a quem ajudou contarem a verdade e ajudando a sua vida voltar para habitual normalidade, e ouvir uma ajuda que é negada a muitos que acodem os que precisam (outra relação à “A Letra Escarlate”), Olive recorre a forma já vista desde o começo, quando começou a narrar sua história. A internet, que tem um papel fundamental para as pessoas de sua idade, ajuda na perpetuação dos problemas de convivência e de personalidade que a heroína do filme teve de interver, e acaba como o único modo de Olive ser ouvida. O mundo virtual é um dos poucos meios onde os jovens sentem-se livres e confortáveis, totalmente o contrário do ambiente escolar apresentado, com a maioria tendo falta ou excesso de confiança, o que causa todos os conflitos desse ambiente.
Olive no meio do filme lamenta não poder viver um romance dos filmes dos anos 80, dirigido por John Hughes, mas apesar de “Easy A” ter muito do espírito de um filme desse diretor e dessa época, esse filme é o ápice da evolução que o tema pedia, pois define em sua época tanto o gênero em si quanto o público que mais o consome. Mas mesmo assim, tanto Hughes quanto Will Gluck apenas retrataram pessoas que buscam situar-se no mundo ou apenas no lugar que convivem um terço do seu dia, o que não deixa de ser mais universal ainda.
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