Não há melhor adjetivo para qualificar “Essential Killing” que visceral. O filme de Jerzy Skolimowski é uma curta experiência (apenas 80 minutos) de crueza e brutalidade praticamente inigualável. O “essencial” do título é fio condutor de uma trama que mostra a universalidade da luta instintiva do homem na terra: tudo se reduz a essência do corpo, a essência da natureza. Não há moralidade, valores, ideais quando o ser humano retorna ao objetivo básico de sua existência: permanecer vivo.
A história contada por “Essential Killing” é a de Mohammed (Vicent Gallo), guerrilheiro capturado por tropas americanas no Afeganistão que consegue escapar durante um acidente no transporte de prisioneiros e passa a lutar pela sobrevivência em um ambiente desconhecido e hostil.
Vicent Gallo não possui uma única fala no roteiro, e só sabemos o nome de sua personagem quando sobem os créditos finais, mas a intensidade de sua atuação é espantosa. O semblante do ator é puro sofrimento e confusão, e, em suas poucas interações com outras personagens, seu olhar atordoado desempenha a função das falas suprimidas.
Aliás, o filme é quase todo silêncio. A trilha sonora é quase inexistente, só aparecendo de forma atmosférica em algumas passagens; a única personagem que entra em contato mais extenso com Mohammed é uma surda-muda interpretada por Emmanuelle Seigner; e a paisagem desolada, coberta de gelo e vegetação morta, é de uma solidão sufocante.
Mas o silêncio é contraposto pelo desespero interior de Mohammed, sucumbindo ao imediatismo das exigências fundamentais da vida: comida, calor, abrigo. Acompanhamos tudo pelo seu olhar, e não sabemos como espectador mais do que ele sabe. Não nos fica claro nem o lugar do mundo em que ele se encontra, podemos apenas supor que seja na Rússia ou algum país nórdico devido ao clima e ao idioma falado por alguns personagens. As poucas alusões ao seu passado são feitas através de sonhos e alucinações, e as menções ao idealismo islâmico, a morte por Alá, aparecem em contraste com a situação e luta pela vida do personagem. E é interessante notar a inversão de papéis que ocorre: desta vez não é o soldado americano em ambiente estranho que nos é apresentado, e sim um afegão, que deixa o deserto e a areia e se descobre nas estepes congeladas de algum país estrangeiro.
Mas Skolimowski não se preocupa com discursos políticos e antibélicos. Sua intenção é mostrar um homem como todos nós em uma situação extrema. Sua opção por nos deixar sozinhos com Mohammed é o que transforma o filme em uma vivência quase física e cruel.
Como de praxe, o diretor ainda nos brinda com belos planos e algumas cenas belíssimas, como a da mãe amamentando um bebê e a comovente cena final.
Em resumo, “Essential Killing” é um filme forte e poderoso. Sem dúvida um dos melhores já feitos sobre o tema da sobrevivência.
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