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Artigos

Festival do Rio 2013 - Comentários (Parte I)

 

 

Apenas Deus Perdoa
(Only God Forgives, 2013), de Nicolas Weding Refn

Por Rodrigo Torres de Souza

Substancialmente, pode-se dizer que Apenas Deus Perdoa é um dos filmes mais simples do mundo. Seu roteiro é um fiapo, linear, com um ou outro flashback em prol de eficiência. Isso porque a história é quase um detalhe dentro do que Nicolas Winding Refn se propõe, e a "trama" não é formada por sequer um personagem complexo: Kristin Scott Thomas é uma evil bitch, ponto; o comportamento reprimido e submisso de Julian (Ryan Gosling), bem como sua indiferença diante da morte do irmão, é "problematizada" com a mais óbvia das relações intertextuais, Édipo; o antagonismo do excelente Chang (Vithaya Pansringarm), um sádico cuja convicção de sua maldade é captada em closes de sua expressão fechada em contraplongeé, é maximizado por uma bidimensionalidade de folhetim: ele canta à vida em karaokês (vilania e alegria) e ama sua filha de paixão (um fofo). E tudo isso é parte de uma narrativa ultra-estilizada, concebida com design de produção e figurino impecáveis, fotografia quente coloridíssima etc.

Assim, o novo filme do cineasta dinamarquês se mostra uma ode às convenções a serviço de um exercício de estilo. E todas as escolhas se mostram sempre muito autoconscientes e fieis à proposta durante toda a projeção, o que torna um tanto incompreensíveis acusações de que ele não soubesse o que fazia ou tenha errado a mão. Portanto, público e crítica têm todo o direito de não gostarem do filme. Odiá-lo. Por outro lado, dizer que o diretor errou resvala na desonestidade, haja vista que Refn consegue exatamente o que queria em sua ideia de elevar a simplória fórmula de Drive (as similaridades são incontáveis) a um nível mais experimental e mais plástico, sem preocupar-se com substância e conteúdo.

 

O Ato de Matar (The Act of Killing, 2013), de Joshua Oppenheimer

Por Pedro Tavares

Joshua Oppenheimer oferece a dois integrantes da "milícia oficial" da Indonésia a troca implícita entre o desejo e a verdade. A barbárie justificada por um conceito - oposição e cinema, vem da reconstituição de assassinatos que culminaram num dos maiores banhos de sangue da história. Oppenheimer desafia a vaidade e a consciência de seus "personagens" e de seu público através da linguagem como redenção e também banalização e contradições na figura do vilão. 

 

A Gatinha Esquisita (Der Merkwürdige Kätzchen, 2013), de Ramon Zürcher

Por Pedro Tavares

No encontro para um jantar, nas conversas triviais - sempre interrompidas -, ou até mesmo nas interferências do acaso, Ramon Zürcher analisa os requintes de crueldade e amor de uma família. A maneira com que o paralelo entre passado e futuro e legado familiar são colocados impressiona, mas a forma como a casa serve de personagem principal, a direção de atores, os espaços preenchidos fazem de A Gatinha Esquisita um filme cheio de detalhes, que cresce a cada segundo e exige revisão. Prêmio de Novo Talento no CPH Pix.



Mar Negro (idem, 2013), de Rodrigo Aragão

Por Daniel Dalpizzolo

Rodrigo Aragão vem se tornando uma referência do cinema de bordas brasileiro que atinge aos poucos um coeficiente considerável de público – ou, mais precisamente, que forma filme a filme um público próprio para sua proposta (além da incursão na programação do Festival do Rio e outros festivais, o filme também deve invadir o circuito comercial ainda em 2013). Com este Mar Negro, o cineasta capixaba encerra sua trilogia que também integra Mangue Negro (2008) e A Noite do Chupacabras (2011), formando uma tríplice de horror pelo interior do Espírito Santo - explorando as três áreas interioranas mais características do Estado: o mangue, a floresta e o litoral, locais de fortes crenças espirituais e cercados por tradicionais lendas folclóricas que sempre couberam muito bem ao cinema de horror.  

Em Mar Negro, Aragão retoma alguns personagens do filme anterior para criar certa familiaridade com o público e constroi uma narrativa preocupada em apresentar lentamente, cena a cena, novos personagens e tramas para a estruturação de seu clímax de horror, criando uma situação que abrangerá a maioria deles. O cineasta é habilidoso em compor personagens marcantes (há pelo menos cinco deles) e especialmente feliz quando os insere no ambiente insano da principal sequência do filme, um longo banho de sangue durante a inauguração de um cabaret supostamente financiado com dinheiro de um deputado.  

Se até esta sequência Mar Negro homenageava cineastas como John Carpenter e Dario Argento, a partir dela – e do fim dado ao personagem do político em específico - o filme também se aproxima muito do recente Machete (idem, 2010), exploitation pop que, como os melhores momentos de Carpenter, não se omite de assumir um posicionamento político muito claro e explode tudo aquilo a que se opõe – o conservadorismo e xenofobismo norte-americano – de maneira completamente cínica e escrachada. E é nesta sequência que conhecemos os principais méritos do filme, especialmente seu humor insano, característico do terrir – o travesti careca estourando corpos com a metralhadora giratória é uma cena incrivelmente divertida. Infelizmente a cena é sucedida por 20 minutos em que a história adquire um tom fantástico excessivo que acaba por repetir os problemas de ritmo dos minutos iniciais e torna a experiência levemente desigual.

Comentários (6)

Adriano Augusto dos Santos | quinta-feira, 03 de Outubro de 2013 - 09:13

Muito bom hein,adoro a cobertura dos festivais.

Já estou pra ver dois desses.

Bruno Kühl | quinta-feira, 03 de Outubro de 2013 - 12:40

Gostei do artigo!

Com relação à \"Apenas Deus Perdoa\", concordo em partes com a crítica. Acredito que o filme de Refn seja odiado porque o público simplesmente não aceitou que além do espetáculo plástico houvesse muito conteúdo/simbolismo. Muitos ficam se prendendo aos estereótipos e paralelos com Édipo, e acabam perdendo a viagem onírica e de vários significados proposta por Refn.

Reno Beserra | quinta-feira, 03 de Outubro de 2013 - 20:02

legal ter estreado O Ato de Matar e ter um comentário aqui destinado a ele.

Lucas do Carmo | quinta-feira, 03 de Outubro de 2013 - 23:24

- Extendendo ao que o Bruno disse.

Acho que o filme ganha ou perde em relação com o espectador dependendo do valor que esses deêm às metaforas e atmosfera do Refn. Como todo filme exagerado e não-convencional, toca na parcela mais subjetiva cinema-apreciador.

Lembro que um pessoal reclamou de os personagens não levantaram nenhum tipo de sentimento afetivo e isso anulasse a história. Mas tipo, simplesmente não é esse tipo de filme, os personagens são importantes, sim, mas são subjugados acima de tudo à narrativa, ao conto em si. Por exemplo, em 2001, alguém se importou mesmo com o destino de Dave por exemplo, ou algum outro astronauta? Acho que não, pois narrativa/desenvolvimento > personagens. Nestes casos.

Acho que no tema do Édipo, Cronerberg se sai muito melhor em Spider em personagens trágicos, mas em níveis mais humanos e sensíveis que chegamos a reagir diante do que os acontecem, diferente do Refn em uma caracterização (propositalmente) tipada e excessiva.

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