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Entrevista - André Novais Oliveira

André Novais Oliveira representou o Brasil em Cannes com seu curta-metragem Pouco Mais de um Mês. O filme foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores e premiado com uma Menção Especial do júri. André mora em Contagem (MG), e é sócio-fundador da produtora Filmes de Plástico, ao lado de Gabriel Martins, Maurílio Martins e Thiago Macêdo Correia. Confira nossa entrevista com o realizador, falando sobre o filme, sua incursão no cinema e o Festival de Cannes.

Lygia: Como começou sua relação com o cinema?

André: Quando eu era pequeno, sempre assisti filme – normal, nem muito, nem pouco.  Chegou um momento da minha pré-adolescência que comecei a assistir muito filme, influenciado principalmente pelo meu irmão mais velho. Ele alugava muito filme que hoje eu ainda considero muito bons. Lembro que ele gostava muito de Spike Lee. E eu fui nessa onda, comecei a pesquisar, a alugar filmes na Cinecittà, uma locadora que nem existe mais, que tinha muitos filmes interessantes. Na mesma época, comecei a ir com meu irmão no Festival de Curtas de BH e no Indie. No Festival de Curtas, fiquei bem impressionado. Lembro de ter assistido ao Convite pra jantar com o camarada Stalin, do Ricardo Alves Jr., vi os filmes do Kléber Mendonça Filho e foi me despertando uma vontade de fazer. O Indie também foi um festival muito importante. Foi aí que vi um panfleto da Escola Livre de Cinema. Fiz Escola Livre durante 1 ano e meio e na época estava começando o curso de cinema na UNA. Fiquei muito na dúvida se fazia, o curso estava começando.. e História eu sempre quis fazer. Lembro que na época teve uma palestra em Belo Horizonte do Jorge Furtado. Tem coisas dele que gosto bastante ainda, Ilha das Flores eu acho sensacional. E ele falou uma coisa que me ajudou bastante: “Pra fazer cinema você não precisa fazer um curso superior de cinema. Vai fazer um curso de Humanas, que talvez expanda a sua cabeça em outros sentidos, pra você fazer outras coisas”. Uma das matérias que eu mais gostava na Escola Livre de Cinema era História do Cinema Brasileiro e Mundial. Sempre corri atrás de filmes antigos e aí tentei conciliar isso. E pensei também que eu poderia ser professor caso o cinema não desse certo. Ainda tenho vontade de dar aula em universidade, quero fazer mestrado. E, dentro da História, eu acabei ganhando uma bolsa de iniciação científica e da FAPEMIG e fiz uma pesquisa sobre a Escola Superior de Cinema na UMG nos anos 60, fiz minha monografia sobre o Carlos Alberto Prates Correia. E ainda quero pesquisar sobre cinema brasileiro e mineiro.


Pouco mais de um mês (2013) é o seu segundo curta-metragem com grande projeção no Brasil e no exterior. Existem várias formas possíveis de relacioná-lo a Fantasmas (2011). Queria te pedir para falar um pouco das semelhanças e diferenças dos processos de criação/realização dos dois filmes.

De semelhança, teve essa coisa da rapidez do processo de realização. O processo todo do roteiro até o primeiro corte do Fantasmas teve em torno de 1 mês de duração e Pouco mais de um mês em torno de 20 dias. O Fantasmas tem elementos autobiográficos, mas é ficcional. Pouco mais de um mês também é bem ficcional, a história não aconteceu na vida real, somente alguns elementos. Não é uma simples questão de ficcionalizar o que aconteceu, mas é mesmo uma reencenação, de colocar na tela não só o que aconteceu, mas a maneira como se passou. Os dois também têm o tema de um relacionamento amoroso, ambos remetem ao passado, isso está bem presente nas falas. Nos dois também tem uma certa metalinguagem, mas que não é exatamente de mostrar a câmera, de mostrar o processo de filmagem. No Fantasmas, a câmera está presente de uma maneira estranha, a gente sabe que ela está ali em algum momento do filme, e em Pouco mais de um mês, além de ter um diálogo que fala do encontro dos dois num festival de cinema, tem a questão da câmera escura.

Na época que escrevi o roteiro do Fantasmas, contei a história pro Gabriel Martins e pra Mariana Souto. A gente tinha acabado de filmar o curta Filme de Sábado, dirigido pelo Gabriel, onde o Maurílio Martins atua. Eu tinha gostado muito da atuação do Maurílio, que como todos nós também não é ator profissional. Quando falei com o Gabriel, ele brincou: “me chama, tô afim de atuar”. E a Mariana deu o toque de chamar o Maurílio para contracenar. Eles já tinham uma ligação de amizade e ela achou que isso talvez passasse pra tela. Essa era uma das coisas que eu queria. Aí mudei os nomes no roteiro. Acho que tinha colocado os personagens como Homem 1 e Homem 2 (eu imaginava duas pessoas com 20 e poucos anos, que já tinham saído da faculdade). Aí troquei pra Gabriel e Maurílio. A partir do momento que escolhi os dois pra atuar no Fantasmas, mudei outras coisas também. Lembro que achava muito engraçado a maneira que o Maurílio ficava nervoso. E pensei que ele podia falar, no filme, do jeito que ele fala quando fica nervoso. Aí coloquei algumas falas que ele costumava falar na vida real.

O Fantasmas tinha um roteiro de 10 páginas de diálogos e os ensaios foram poucos e muito pequenos, feitos dias antes da filmagem. Esse processo foi interessante porque deixei claro que eles poderiam improvisar. Eles foram acrescentando coisas da vida deles, coisas que eles estavam vendo na hora, na rua. Fizemos 7 takes e a cada vez a interpretação melhorava. No começo, eles tinham que ler o texto – como eles não apareciam, podiam ler o texto mesmo, mas ficava aquela coisa meio dura. Aos poucos eles foram se soltando e ia melhorando. Pouco mais de um mês tinha um roteiro também, de 12 páginas. Eu falei que a gente podia improvisar, falar do mesmo jeito que a gente fala na vida real, mas o processo foi diferente. O primeiro take era sempre o melhor. Depois a gente começava a ficar com um texto meio duro para formular as palavras na hora de falar.

Além desses dois curtas que ficaram mais conhecidos, você dirigiu outros filmes, escreveu outros roteiros?

Sim. Fiz meu primeiro curta em 2004, numa oficina de Super 8, quando entrei pra Escola Livre de Cinema. Em 3 meses a gente aprendeu o básico da câmera e, para a finalização do curso, tínhamos que fazer um curta-metragem. Apresentei o roteiro de Uma homenagem a Aluízio Netto, um falso documentário, que tem a ver com cinema mudo brasileiro. Na época, eu estava estudando muito sobre história do cinema brasileiro. Esse filme rodou, passou em algumas festivais, ganhou prêmio também. Depois dele, fiz outro curta na escola, A mulher que sabia demais. Foi uma experiência boa de trabalhar com bitola 16mm. Aí ganhei um edital da Telemig Celular – que hoje nem existe mais, é Vivo. Era um edital bem barato, que ia premiar 10 propostas pra fazer curtas de 1 minuto. Fiz um que chama Um dia meio parado. Depois, fiz o 150 miligramas, que é a história de um rapaz com depressão que conhece uma menina com problemas mentais e se apaixona. Aí veio Fantasmas. E entre o Fantasmas e Pouco mais de um mês tem o Domingo, o único filme documental que eu tenho. É um documentário experimental, com imagem de arquivo. Uma coisa que sempre quis fazer é trabalhar com imagens de arquivo e ainda tenho essa vontade.

Nesses outros filmes você também buscou trabalhar os diálogos de forma mais natural, próximas da linguagem oral cotidiana?

Um dia meio parado talvez já tenha um pouco disso. 150 miligramas foi, de fato, uma primeira tentativa. Mas acho que o Fantasmas foi o primeiro que eu tentei forçar mais isso. É uma coisa que me interessa muito e que encontro em alguns filmes do Mike Leigh e, principalmente, do Abbas Kiarostami. É mais uma referência do cotidiano, de gostar de observar as pessoas conversarem, de viver mesmo e achar engraçado o jeito que as pessoas falam. Se tem uma turma de amigos conversando, por exemplo, ver qual é mais ou menos a porcentagem de fala de cada um. E o jeito que cada um reage às coisas. Sempre fico com vontade de perceber mais isso. Como sou tímido, dá mais tempo de observar.

Quais são suas principais referências no Brasil?

Eu estava falando sobre isso há pouco tempo atrás... Essa coisa de estar sempre em contato com o pessoal do Filmes Polvo, de ter feito as aulas do Rafael Ciccarini na Escola Livre de Cinema. Acho que foi muito importante porque a gente tava naquela primeira fase de cinefilia, assistindo muitos filmes de Vittorio de Sica, Orson Welles, e deslumbrados com aquilo. Mas aí começamos a pensar: “poxa, a gente podia ficar sabendo mais sobre cinema brasileiro”. Eu fui muito nessa onda e, a partir disso, começou o processo de ir a festivais, principalmente na Mostra de Cinema de Tiradentes. Comecei a estudar o cinema brasileiro de todas as épocas, mas esse contato com Tiradentes acabou me trazendo uma vontade maior de tentar entender o cinema brasileiro contemporâneo, feito geralmente por cineastas mais jovens – essa é a maioria dos filmes que a gente vê em Tiradentes. Isso acabou me influenciando muito, até na própria coragem de fazer, de querer correr os riscos, de dar a cara a tapa. Mas o cinema brasileiro como um todo me influencia. Gosto muito de Cinema Marginal e Cinema Novo. O Carlos Alberto Prates Correia é pra mim o maior cineasta brasileiro. Dentro dessa geração nova, há pessoas que me identifico bastante também, como o Adirley Queirós, o Marcelo Pedroso, o próprio Kléber Mendonça Filho – dentre vários outros. Acho que quando comecei a ir pra Tiradentes, foi o momento que a curadoria estava apostando muito nesses cineastas mais jovens e a impressão que tinha é de estar vivendo um momento muito importante, de acompanhar essas pessoas. Me abriu muito para essa questão de entender as possibilidades do cinema brasileiro. E de ver filmes que, pra mim, são muito importantes: A cidade é uma só? e Pacific.

Um aspecto que perpassa sua filmografia é a construção de narrativas a partir de experiências e relações da sua vida e cotidiano. O que te move a falar da sua intimidade e como você roteiriza suas historias pessoais? É um lugar em que você encontra mais verdade e autenticidade das coisas?

Acho que falar sobre uma coisa que você tem uma certa experiência pode, talvez, passar alguma verdade para a tela. Mas não que eu vá fazer sempre coisas com uma carga autobiográfica. Em Pouco mais de um mês, tem determinadas coisas que são minhas e da Élida mas, na verdade, a história do casal não aconteceu realmente com a gente. Há coisas que simplesmente sinto que são plausíveis de acontecer com qualquer pessoa, com qualquer casal. Essa é a intenção, tentar realmente falar de coisas que eu, pelo menos, acho que sei. E sei por uma questão prática mesmo, por ter vivido isso.

Sobre o Festival de Cannes, como foi o processo de seleção, quais foram as etapas pelas quais o filme passou ate chegar aqui? Você teve algum retorno da curadoria do festival, sobre como eles receberam o filme, por que gostaram dele?

O filme estreou em Tiradentes e foi muito importante ter sido selecionado pra lá porque Tiradentes tem essa coisa de levar curadores de fora para o festival. Dentre os representantes que tinham sido convidados, estava a Anne Delseth, que é da Quinzena dos Realizadores. Ela viu o filme lá, gostou bastante, falou com a gente, entregamos o DVD pra ela e fizemos a inscrição normalmente. Depois a gente ficou sabendo da seleção. Sobre a experiência de vir pra cá, sempre tive impressão de que ia gostar mais do clima da Semana da Crítica e da Quinzena dos Realizadores do que da Oficial. Não que eu não goste da Oficial, mas me sinto mais confortável nas mostras paralelas, vejo pessoas mais simples. Lá não tem pompa. Mas é claro que ir pro Palais des Festivals e assistir Claire Denis, Irmãos Coen, é do caralho. Por eu gostar bastante de festivais que incentivam você a assistir muitos filmes (como Tiradentes, por exemplo), acaba que venho aqui e fico na fomeagem do mesmo jeito. E foi muito bom e importante também ter vindo com vários amigos. Porque vir para um festival desses sozinhos deve ser difícil, não ter com quem trocar ideia depois da sessão. E estar com filme aqui e ter a oportunidade de assistir vários filmes é sensacional, fico sem palavras.

E os filmes que você viu na Quinzena, você gostou de algum? Você sentiu uma linha curatorial particular?

Achei interessante na Quinzena a valorização do cinema de autor. Uma linha mais pra esse lado e que abre espaço para filmes bem diferentes. Esse ano teve filmes de comédia e filmes policiais selecionados. Ao mesmo tempo tem um filme totalmente maluco igual o do Jodorowsky. Gostei bastante da seleção de curtas. A maioria é de ficção – teve só um documentário –, em geral de duração mais longa. Gostei muito de Solecito, do Oscar Ruiz (Colômbia) e Gambozinos, do João Nicolau (Portugal) – premiado como melhor curta da Quinzena.

Em relação a Pouco mais de um mês, qual retorno você teve do filme em Cannes?

Como fizemos inscrição no Short Film Corner, que é a parte do mercado, o filme fica disponível pra ser assistido na cabine e a gente teve retorno de muita gente assim. Tivemos um retorno legal de um brasileiro, o Dodô Azevedo, que assistiu na cabine e escreveu uma crítica no G1 muito bonita, que emocionou todo mundo da equipe. Sentimos muito a recepção do próprio pessoal da Quinzena. A Laurence Reymond, que selecionou o filme, falou que realmente gosta muito dele, que ficou muito feliz de tê-lo selecionado. O Edouard Waintrop, que é diretor artístico do festival, falou a mesma coisa. As duas sessões foram muito boas. E teve espectadores que abordaram a gente também. Inclusive algumas pessoas que eu admiro muito, como o João Nicolau, o Kléber Mendonça Filho, o Basil da Cunha (diretor de Até ver a luz, que está na Quinzena). Na premiação, um dos jurados do patrocinador do prêmio falou que foi o curta que ele mais gostou. Na verdade, eu nem sabia que tinha esse prêmio de menção especial, então foi surpreendente. Recebemos também alguns convites de curadores para inscrever o filme nos festivais.

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