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Cineplayers Entrevista - Paraíso Perdido (Pt. 3)


Na terceira e última rodada de entrevistas com a equipe de Paraíso Perdido, em cartaz nos cinemas, conversamos com as atrizes Marjorie Estiano e Hermila Guedes e o ator Julio Andrade. 

Confira cada entrevista a seguir:

Marjorie Estiano

Não tem nenhum exagero em chamar Marjorie Estiano de "A Atriz do Ano". Abril, Todo Clichê do Amor; maio, Paraíso Perdido; junho, As Boas Maneiras. Em comum, os ótimos filmes que são, a presença de Marjorie neles e o desempenho incrível dela em cada um, marcando 2018. Atriz que nasceu em 'Malhação' (e redefiniu na novelinha um conceito de excelência após sua passagem), Marjorie floresceu no teatro, na música e no cinema, mostrando a cada dia novos momentos de sua trajetória e se firmando como um artista completa e amplificada ao seu tempo.

O cinema já apresentou Marjorie a Marcelo Rubens Paiva (em Malu de Bicicleta), a Julio Bressane (em Garoto), a Breno Silveira (em Entre Irmãs), e ela esteve brilhante em todos. Em 2018, ela fará uma dominatrix, uma estranha mulher grávida e essa ex-presidiária, que Monique Gardenberg criou e Marjorie lapidou. O futuro reserva a essa impressionante atriz os prováveis louros de uma temporada que é toda dela. Este ano é todo de Marjorie.

CP: Você tem reencontrado com muitos parceiros em diferentes trabalhos. Julio Andrade e Humberto Carrão estão com você em Paraíso Perdido e em Sob Pressão (premiada série global), Humberto também está com você em Aurora (já filmado longa de José Eduardo Belmonte, sem previsão de lançamento). Como é reencontrar sempre uma trupe?

ME: Nossa, eu preciso agradecer esses parceiros que eu tenho. É muito inspirador, você cresce tanto tendo a oportunidade de trabalhar com essas pessoas tão talentosas e tão generosas, acho que isso facilita tanto o trabalho, o seu aprendizado, acho que a troca fica muito mais fácil. Às vezes acabamos encontrando algumas quinas, alguma dificuldade de acessar algum colega de trabalho e isso torna tudo mais difícil. Acho que a coisa brilha mesmo quando tem esse canal livre com o outro. 

CP: Quando essa convivência já vem prévia, é muito mais fácil acessar esses canais né... 

ME: As dificuldades, os embaraços, acabam sendo diferentes, porque a gente muda, em cada época estamos de uma forma e a ideia é essa né... que você vá sofrendo influências, você vai se transformando, então nunca é a mesma coisa mas certamente você tem ali um lugar confiável, onde você pode ser franca, falar "tá tudo bem?, a gente se esbarrou aqui, vamos resolver isso" e tal, é muito mais fácil do que quando você não conhece a pessoa e não sabe se fala ou não... é muito bom trabalhar com o Julio, tá sendo ótimo trabalhar com o Humberto também, a Monique que eu já conheço há um tempão, o primeiro trabalho que eu fiz com ela foi uma peça, Inverno da Luz Vermelha, e foi muito legal pra mim, e eu acho que eu fui me construindo a partir desses encontros e desses desafios.

CP: Como é pra você olhar pra esse espaço de dois meses e ver que estão contidos neles uma dominatrix, uma mulher rica grávida de um bebê estranho e uma ex-presidiária?

ME: (risos) uma rica de Goiânia!!! (risos), cara, eu nem sei o que dizer... a principio, foi uma escolha. Era um propósito meu mesmo fazer personagens com características diferentes, eu me interessava em fazer sempre algo novo, aquilo brilhava mais aos meus olhos, me interessava mais desenvolver algo diferente do que eu já tinha explorado ou experimentado antes. E acabou se tornando um hábito, uma constante, e eu só tenho a agradecer. Nós falamos muito dessa relação do ator construindo o personagem, mas o personagem constrói muito o ator também. Eu levei pedaços deles para outros trabalhos e para a vida. Eu me sinto muito privilegiada por poder trabalhar com o que eu gosto, ter tido tantos encontros luminosos e tantas pessoas generosas, incríveis e talentosas.

CP: Os roteiros que chegam até você geralmente têm essa cara diferente, as pessoas já sabem que você irá aceitar se o personagem for fora do comum?

ME: Normalmente chegam assim uns "esse é a sua cara", e eu fico bem curiosa pra saber qual é a cara que acham que eu tenho... (risos), mas tem muita coisa que eu fui atrás, eu quis trabalhar com tal diretor. Por exemplo, com o Rafael Primot (diretor de Todo Clichê do Amor), eu falei "deixa eu fazer essa personagem", ele tinha algumas ideias, mas eu falei "eu sei que você tá escolhendo, mas mesmo que não seja essa, deixa eu fazer essa?". Então eu acho que foi junto, essa cartela variada de personagens começa muito pela minha vontade e isso vai reverberando na paleta que as pessoas acabam se interessando em me ver. 

CP: Você se sente mais seletiva na TV? Falo isso por conta de uma espécie de aprisionamento que geralmente é apontado na TV.

ME: Eu acho que na minha trajetória na TV eu fiz muitas mulheres fortes, elas tinham isso em comum, mas vinham de origens muito distintas e com propósitos muito particulares. Tinha a Marina, que era filha de um pai alcoolatra (Páginas da Vida), posso citar também a Cora que tinha aquela obsessão pelo Comendador (Império), tinha a Laura com o ideal dela de luta pelo espaço da mulher (Lado a Lado), tinha a Manoela (A Vida da Gente)... elas eram sempre mulheres muito fortes, cada uma com seu caminho, mas o cinema normalmente tem uma característica mais artesanal, é mais manufaturado, então ele pode ser mais ousado, assim como na TV alguns produtos se permitem serem mais ousados, mas lá se trata de uma empresa com uma responsabilidade muito maior dentro de um certo organismo, enquanto o cinema é uma célula muito mais batalhado... a grande maioria dos filmes começam com "há 7 anos atrás eu tinha um argumento", e isso vai indo muito aos poucos, e nós não temos essa indústria de Hollywood, aqui é tudo muito mais próximo. 

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Julio Andrade

É tempo de Julio Andrade. Mas... desde quando? E até quando? Talvez o ator mais requisitado dos últimos três anos, Julio emenda trabalhos completamente diferentes uns dos outros e segue criando uma identidade múltipla e ampla sobre sua persona.

Prestes a voltar as telinhas protagonizando Sob Pressão, pelo qual voltou a ser premiado (premiações são uma constante na carreira na carreira de Julio - APCA, Festival do Rio, Guarani, Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, inúmeros prêmios de TV e cinema), Julio é agora um dos vértices do grande mosaico que é a família protagonista de Paraíso Perdido.

CP: Diz pra gente como você consegue fazer tudo isso que você faz.

JA: Pra mim é simples... (risos) sei lá, talvez por ter dedicado toda a minha vida até agora a isso. Quando eu não tô em casa, eu tô em casa, tô tocando, tô fotografando, tô inventando coisa... eu tenho minha câmera o tempo todo comigo. Eu tenho esse olhar desde muito cedo, desde quando meu pai alugava câmera de vídeo e eu ficava filmando a família. Vendo meu tio tocar, eu aprendi a tocar violão. Minha avó tinha um livrinho de músicas que ela cantava. Meu avô era amigo do Lupicinio (Rodrigues). Minha família sempre foi regada a muita música, muita arte, e eu sigo fazendo isso... talvez seja amor, sabe... de me entregar com amor pra tudo que eu faço, eu não fico pensando como vou fazer, eu me entrego. Aí eu encontro um Zeca Baleiro pelo caminho, e aí tem um pouco de Zeca no cantar... (Zeca é o produtor musical do longa) e essas coisas surgem de um jeito meio mágico, Zeca tava ali me dando uns toques e de repente eu tava ali meio que seguindo o som dele. Meu pai sempre comprou os CDs dele, essas coisas vão acontecendo na vida de um jeito muito natural.

CP: O Brasil tem acostumado a viver em ciclos de ator, com todo mundo falando "o ator do momento é...". Há 15 anos atrás, era Matheus Nachtergaele, depois veio Selton Mello, e depois Irandhir Santos. Em 2016, você lançou um total de 3 filmes em dois fins de semana, e no ano passado você lançou mais 4. Agora, já temos 'Paraíso Perdido', e eu quero saber se vai acabar o momento do Julio Andrade. 

JA: (risos) Cara, eu nem sei como te responder isso. Um dos produtores do 'Elis' até brincou, 'pô, a gente queria que você fizesse a Elis, mas é muito tempo pra você, não vai rolar' (risos), e aí tinha o Lenny Dale... mas, cara, é um momento bom. E como eu não preocupo com isso, e eu me renovo quando não tô filmando, porque eu não fico o tempo todo trabalhando não... parece mas não é. Eu consigo dar um tempo com a minha família que é a minha prioridade, e as vezes ficar 3 meses com eles, quando meu filho nasceu eu fiquei 4 meses com eles. Fico que nem um maluco na ponte aérea, se só posso ficar 1 dia com eles, pelo menos eu fico. Eu me viro pra ficar entre meu trabalho e minha família, porque eu acho que esse é o momento que eu preciso surfar. As coisas estão acontecendo pra mim, o tempo passa, eu tenho consciência disso, mas eu não tenho pressa não. Eu tô em dois projetos super legais, duas séries (além de 'Sob Pressão', Julio também está em 'Um Contra Todos', da Fox), e aí eu consegui fazer o filme de Monique. Eram poucas diárias, um projeto mais leve, e eu consegui fazer dois filmes assim, ele e o 'Todas as Canções do Mundo' (de Joana Mariani, que tem estreia prevista para o fim do mês) e eu os fiz por isso. Porque não eram densos.

CP: E são dois filmes que puxam esse teu outro lado seu né, o musical...

JA: Pois é! No outro eu também sou um músico de barzinho, com um violão, olha que louco. Eu vou meio que equilibrando as coisas, os projetos e a vida. E pintaram filmes incríveis pra fazer esses tempos, mas se eu os tivesse feito, eu não teria tido tempo pra minha família. 
Então eu não sou esse cara que fica querendo fazer tudo, nem que não pode perder algum personagem, não... o certo é isso que tá acontecendo agora. 

CP: Então se estamos vendo 4 filmes por ano com Julio Andrade, o certo era estarmos vendo 10...

JA: (risos) olha, se eu não tivesse família, fosse solteiro e tal, talvez eu tivesse feito todos sim porque eu amo fazer cinema, mas eu sei que tem o lado de lá, meu filho tá com 3 anos e eu sei que é um tempo que não volta. 

CP: E aí, me fala do filme, de como foi trabalhar com a Monique... 

JA: Monique é uma diva né, ela é especial em todos os sentidos, é uma grande diretora, uma grande pessoa, de uma finesse, uma educação, de extremo bom gosto, e tem uma coisa que eu gosto é de me entregar ao diretor, de ser dirigido, então eu me permiti ser dirigido por ela, e eu sei que tem amor ali, e tem a nossa parceria.

CP: O que muda num set dirigido por uma mulher? É essa delicadeza que você está falando?

JA: Eu já tinha sido dirigido pela Suzana Amaral e não tinha tanta delicadeza assim... (risos), e ela sabe disso e ela não gosta de ser delicada. Acho que sem generalizar nem trazer pra gênero, o set da Monique era assim mas eu já fui dirigido por homens delicados, não tem isso. A Monique tem essa mão delicada, essa mão que leva pro lado lúdico, e isso também me permitiu a me jogar mais na interpretação, ir para esse lado que eu ainda não tinha ido.

CP: É incrível notar como esse lado dos elencos grandes que Monique gosta de trabalhar sem perder a mão de ninguém, e dando espaço para todo mundo.

JA: Isso foi falado desde o início, sobre essa unidade que o elenco precisava ter, e a Monique é muito sábia com isso, nós tivemos ensaios, levados pro lado musical, de como nos portarmos no palco, e sempre com ela mantendo essa unidade no set através do elenco. Jaloo nunca tinha feito um trabalho, Erasmo que é essencialmente um músico... tinha essa mistura do elenco, dos músicos, dos atores com um pé na música, a ideia dessa família permitia isso. São muitas pessoas diferentes né... mas somos uma família. O filme mostra essa família de hoje, a família possível mas que se ama acima de tudo. 

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Hermila Guedes

Ela explodiu em O Céu de Suely, ganhou todos os prêmios de melhor atriz daquele ano e se tornou o rosto feminino do levante pernambucano no nosso cinema. O furacão Hermila Guedes fez barulho na década passada e esteve em grandes filmes firmando seu nome, seu rosto expressivo e seu enorme talento. 

Aí Hermila se recolheu. Passou um tempo 'tendo filhas' (como ela mesmo falou) e volta com o mesmo talento de sempre para a ex-presidiária Eva, que volta para a família de Paraíso Perdido sacudindo a poeira e trazendo a tona todos os segredos que eles guardaram por anos. Seja bem-vinda de volta ao lugar que é seu, Hermila. 

CP: Por onde andava a sumida Hermila Guedes?

HG: Eu tava comentando ainda agora, eu acho que minha última pré-estreia foi Era uma Vez, Verônica. Isso faz muito tempo, e eu tô muito nervosa, parece que eu tô começando... ou seja, isso significa que eu tô muito destreinada, completamente fora de ritmo. Então, eu tava fazendo filhas. Eu escolhi esse momento para a maternidade e fiquei lá em Recife usufruindo esse estado de maternidade mesmo. Agora que eu tô começando a deixar um pouco o ninho né, elas já estão com 10, 4 e 2 anos, e aí elas já podem ter uma babá, o pai pode ficar um pouco mais também, e aí ter essa oportunidade do filme da Monique e eu tô muito nervosa com essa volta.

CP: Como foi o convite para o filme e o contato com essa personagem específica, que vem do universo carcerário, além da própria interação com a Marjorie Estiano?

HG: O convite veio em ótimo momento, sair da zona de conforto da família, de poder filmar em outro lugar que não Pernambuco, de trabalhar com uma diretora pela primeira vez em longa, e eu estava me sentindo fora de ritmo, até um pouco enferrujada, mas achei que Monique foi muito sensível e compreensiva, acho que por ser mulher também ela me entendeu que eu tinha parado por um motivo justo e que essa volta eu tava com muito gás pra dar, e eu fiz uma super pesquisa com essa personagem, a Eva, que é uma mulher muito livre, no sentido dos sentimentos dela, uma mulher que mata um homem pra salvar o filho, fica tanto tempo presa, e quando sai ela vem com muita vontade de vida e a história do filme começa a partir dessa saída dela né, que vem com toda essa vontade. Ela vem em direção a essa família e a esse filho que ela foi privada de conviver né... toda a criação desse filho foi narrada a ela por essa sobrinha quando vinha visitá-la.

CP: Como foi passar por dois momentos tão diferentes no mesmo trabalho, antes desglamurizada ainda na cadeia e quando ela sai para aquele universo quase como um visual de mulher fatal, e você ter podido trabalhar esses dois universos no mesmo projeto?

HG: Ela volta pro feminino né? O contato com a família, o contato com o filho, ela volta para aquele lugar e vê que ele ainda tem a mesma vibração que tinha antes dela ir pra cadeia, o filho dela ter crescido e se tornado a grande estrela daquela boate, inclusive ajudando essa mulher em trazer esse feminino de volta através desse lugar, e ela ainda acaba se apaixonando pelo homem que deveria tomar conta do filho dela, então eu acho que essa paixão ajudou muito ela.

CP: Você imagina que aquelas pessoas se encaminham para o perdão durante o filme?

HG: Eu acho que a Eva se contamina daquela alegria adormecida daquela boate, e eu acho que a partir dos segredos revelados e expostos, eu acho que elas entendem que com toda a dificuldade que tudo aquilo acarreta, elas podem ser felizes. Então acredito que ao longo do filme as pessoas entendem que vivem dramas mas a felicidade é possível. 

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