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7+ | Abolição

A escravidão negra no Brasil começou por volta da metade do século XVI e só foi extinguida, depois de muita luta abolicionista, resistência quilombola e litros de sangue negro jorrados nesta terra onde “Deus está acima de todos”.

Quatro séculos de vidas negras regidas por um dos sistemas escravistas mais duradouros da historia da humanidade encharcam os nossos tempos de injustiça. Há uma dívida histórica com o povo negro neste país que a hipocrisia e o medo do escuro, como dizia Frantz Fanon, gostam de transformar em “passado”.

O cinema, espelho dessa farsa, está longe de chegar perto de conduzir-nos a uma discussão que tenha o negro em seu devido lugar. Gerido quase que integralmente por brancos de classe média alta, a imagem do negro “livre” foi construída exclusivamente pela ótica deste grupo social, não por uma questão de casualidade como se costuma afirmar, mas como projeto de branqueamento da imagem brasileira.

Não é por acaso que os números de produções com histórias negras são raríssimos, o número de atores e atrizes negros é infinitamente menor ao de brancos, e o número é ainda mais ínfimo quando se contabilizam diretores e diretoras.

Apesar de tudo isso, em nossa luta de resistência no audiovisual há histórias pretas que precisam ser conhecidas! Este artigo buscará elencar algumas dessas histórias conduzidas por homens e mulheres negras.

A lista a seguir, por sua própria natureza seletiva, é falha. Portanto, peço desculpas de antemão por aqueles filmes e artistas que deixarei de citar. Estes tal qual os que nomeio possuem enorme importância na (re)construção da nossa imagem no cinema nacional.  

7. Abolição (1988), Zózimo Bulbul

O primeiro filme da lista é dirigido pelo pilar do cinema negro brasileiro. Aqui, Zózimo Bulbul vai propor uma discussão profunda no centenário da abolição da escravatura. Como se encontra o povo negro 100 anos após a abolição? O documentário vai passear por vários temas e utilizará diversos depoimentos de figuras fundamentais na história da resistência negra como Grande Otelo, Abdias do Nascimento e Benedita da Silva.


6. Temporada (2018), André Novais Oliveira

Wole Soyinka, o primeiro africano premiado pelo prêmio Nobel de Literatura, dizia sobre as teoria de Negritude de Leopold Senghor algo como:  “Um tigre não grita sua tigritude. Ele pula na presa e a devora”.  O cinema de André Novais Oliveira devora o espectador. Juliana, personagem vivida por Grace Passô, é uma tigresa em plena descoberta de suas garras.


Bróder (2010), Jeferson De

Jeferson De é uma das figuras mais importantes para a história da representatividade negra no cinema brasileiro, principalmente por sua enorme colaboração no Dogma Feijoada. Um dos principais méritos de Bróder é fugir dos arquétipos planos clássicos do favelado, o filme mostra que as escolhas de seus personagens não dizem respeito apenas ao momento exato de suas decisões. Sempre há uma cadeia de eventos que relacionam tanto o entorno social como as próprias individualidades destes personagens em suas eleições.


4. Na Boca do Mundo (1978), Antonio Pitanga

Pitanga, possivelmente o nome mais famoso dessa lista, é um dos atores mais importantes e adorados do Brasil. Apesar disso, nem todo mundo sabe que no final dos anos 70 dirigiu uma pequena pérola do nosso cinema. Em roteiro escritor por Cacá Diegues, o próprio Pitanga encarna um frentista numa cidade litorânea que se divide entre a paixão por uma forasteira branca e sua noiva negra. Entretanto, o filme vai muito além desse triângulo amoroso, Na Boca do Mundo trata de um questionamento profundo da condição social de cada um desses agentes e o que isso significa em suas possibilidades amorosas.


3. A Negação Do Brasil (2000), Joel Zito Araújo

Pós-Doutor em Comunicação e Antropologia pela Universidade de Austin, Joel Zito Araújo é uma referência viva e constante do que significa pensar o audiovisual negro no Brasil. Dono de uma capacidade relacional emoldurada por uma cinefilia profunda, é conhecido por entregar documentários extremamente instigantes. Nesse filme, sintetiza de forma muito criativa como o negro foi representado nas telenovelas brasileiras. Além de imagens de arquivos, ainda conta com ótimos depoimentos de artistas como Ruth de Souza e Zezé Motta.


2. Café com Canela (2017), Glenda Nicácio e Ary Rosa

Esse filme é de uma sensibilidade que poucas vezes consegue se transformar em cinema. É aquele sentimento que a gente vive dizendo que não consegue descrever. Glenda Nicácio, em parceria com Ary Rosa, extrapolam a descrição. O amor transborda das atuações, sem ser piegas ou forçado. O ritmo do recôncavo, vivo no fundo da memória de qualquer um que já tenha cruzado a ilha, serpenteia como fumaça de um bom café perfumado com canela.


1. L.A.P.A. (2009), Emílio DomingosCavi Borges

Emílio Domingos é uma das figuras mais importantes da cena hip-hop do Rio de Janeiro, fatalmente o cineasta mais influente de hip-hop do Brasil. L.A.P.A é um clássico dessa fase de Domingos, que nos últimos anos têm se dedicado um pouco mais ao contexto do funk. Em co-direção com Cavi Borges, além de se dedicar a descrever o que a Lapa representa para o Rap carioca com depoimentos de Black Alien e BNegão, o filme mostra o cotidiano de Mcs que precisam exercer outras atividades para conseguir manter-se como artistas.


Bônus:

Alma no Olho (1973), Zózimo Bulbul

Curta experimental de 11 minutos do mestre Zózimo, dedicado ao jazzista americano John Coltrane. Em uma performance visceral, alegoriza o duro processo que o negro vive quando se liberta de tudo o que simboliza a escravidão. Filme fundacional na representatividade do negro no cinema brasileiro.

Comentários (3)

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 14 de Maio de 2020 - 03:21

Temos que enaltecer a resistência negra dentro de um meio tão excludente - como tantos outros. E perceber de forma sagaz que resiste com a desenvoltura devida. Ótima lista bicho. Pra comentar brevemente sobre o filme bônus. Alma no Olho impressiona pela genial simplicidade em ser um microcosmo crítico do processo de escravidão. E funcionar como tal em apenas 11 minutos.

Igor Guimarães Vasconcellos | quinta-feira, 14 de Maio de 2020 - 06:06

Grande Ted!
Você tem toda a razão. É um filmaço! Sempre que vejo ou mostro a alguém que ainda não o viu, ele me leva a pensar em novas coisas.

Muita dessa lista está disponível online, galera!

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 14 de Maio de 2020 - 18:22

Ele é foda não somente pelo tema que abarca, mas por todos o resto. Estética, escolhas narrativas e o escambau. Excelente.

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