Muitas vezes reclama-se da forma como os títulos originais de filmes internacionais são traduzidos aqui para o Brasil. Os críticos afirmam que a tradução não literal pode comprometer a ideia original dos criadores. Eu, que não me incluo entre os críticos, acredito que a ideia de ter títulos diferentes, e que ‘’dialoguem’’ com públicos diferentes, é extremamente válida (mesmo achando que alguns são traduzidos de forma absurda. Mas aí já é outra conversa). No caso de ‘’A Viagem’’ (Cloud Atlas, no título original), novo filme dos irmãos Andy e Lana Wachowski (Matrix) e Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra), a tradução é precisa e representa perfeitamente o grau de imersão que se tem que ter para poder apreciar um filme como esse. Ou você compra a ideia e realmente ‘viaja’ junto, ou fica pelo meio do caminho e não curte a experiência. Felizmente, fiquei no primeiro grupo.
A estrutura narrativa é rebuscada e confusa, à princípio: seis histórias, aparentemente desconexas, de períodos que vão desde o século XIX até um futuro pós-apocalíptico, vão se entrelaçando de alguma forma. Seja por um diário escrito por um advogado moribundo, por encontros aparentemente casuais em um elevador com defeito, por tradicionais dilemas de explorado e explorador que questionam a dignidade humana em pleno século XXII, ou até mesmo em tribos canibais num futuro distante, em uma terra desconhecida.
Enquanto desfrutava dessa maravilhosa experiência, foi quase que impossível não me lembrar de ‘’A Árvore da Vida’’, filme mais recente de Terrence Malick, que se assemelha à este em termos de argumento e possui também o mesmo aspecto onírico na forma de contar suas histórias (ainda que difiram bastante em termos estruturais). A busca por algo maior que todos nós, o porquê e o para quê de estarmos aqui, como nossas atitudes no passado influenciam nosso presente e como nossas atitudes no presente influenciam nosso futuro. E aqui destaco as linhas temporais porque o próprio filme faz questão de ‘brincar’ com isso, sendo peça fundamental para a apreciação plena da obra.
Curiosamente, não gostei do filme de Malick. Acredito que essa diferença na estrutura narrativa, mais convencional e um pouco menos pretensiosa no filme de Tom Tykwer, ainda que confusa à primeira vista, foi primordial para que os resultados finais de apreciação de cada filme fossem diametralmente opostos. Enquanto ‘’A Viagem’’ foca mais na complexidade sentimental e dramática de seus personagens, e no visual técnico que beira a perfeição, tendo no onirismo apenas uma parte de sua narrativa, em ‘’A Árvore da Vida’’ o onirismo é um fim em si mesmo, sem qualquer utilidade aparente. Essa diferença de identificação com as duas obras só corrobora com o aspecto extremamente pessoal e único que elas exercem sobre cada espectador. É a tal da imersão; ou você mergulha no universo e vai junto, ou fica pelo meio do caminho.
Evidente que, por ser uma coletanea de várias histórias que se entrelaçam em passado, presente e futuro, abordando temas, tabus e parâmetros de épocas tão distintas, algumas falhas e irregularidades são quase que inevitáveis. Alguns fragmentos parecem não se encaixar como parte da história, não se conectam com o resto do filme e poderiam ser cortados sem maiores problemas, deixando o filme mais curto, mesmo que sua duração não seja algo que incomode. Mas, no geral, acredito que a mensagem central foi bem passada e o resultado final é extremamente satisfatório.
Uma grande reflexão sobre a epopeia humana em busca da libertação; da libertação dos erros cometidos no passado e que se repetem ao longo do tempo, da nossa libertação pessoal enquanto seres humanos, dotados de racionalidade mas movidos à sentimentos controversos. Se pudesse fazer uma pequena síntese dessa mensagem central, seria com essas palavras, mesmo sabendo que num filme como esse, não existe ‘’mensagem central’’ muito bem definida. Cada um de nós tem que assistir, sentir e vivenciar os quase 170 minutos de projeção e absorver o que mais mexeu com o nosso interior, sem ficar se apegando muito à detalhes de produção e fragmentos desconexos. Esse é um filme para ser sentido, vivido. É muito mais do que uma simples pílula de entretenimento cinematográfico. É uma verdadeira experiência transcendental, para ser revisitada sempre que possível: seja hoje, no século XXII ou em um distante futuro pós-apocalíptico.
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