Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro
No segundo semestre de 2007, um verdadeiro fenômeno cinematográfico tomou conta do Brasil: Tropa de Elite. A história do Capitão Nascimento e seus comandados no Bope, que tocavam o terror nos bandidos dos morros do Rio de Janeiro, mais suas diversas frases de efeito ("Pede pra sair, 02", "Cadê o Baiano?" "Põe na conta do Papa", "O senhor é um fanfarrão", entre outras), ficou marcado naquele ano, tanto pela polêmica do vazamento do filme para a pirataria, como pelo enredo genial e desmistificador, que quebrou muitos paradigmas - tornando o policial um herói e colocando o bandido como monstro, como vilão, diferente da visão romântica de alguns cineastas. Chamado de "fascista" pela sua estética crua de violência, a produção de José Padilha não só foi o melhor filme brasileiro de 2007 como também um dos melhores já realizados aqui e merecedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. E eis que, três anos depois, Tropa de Elite 2 chega aos cinemas.
Duas questões rondaram o filme nos últimos meses: 1) o filme vai ser pirateado? 2) pode superar o primeiro? Bem, o filme felizmente não foi pirateado - graças a um esquema poderoso de segurança, digno de primeiro mundo. O filme inclusive é o maior lançamento nacional de todos os tempos, recorde de salas em exibição (o cinema onde este redator foi tinha três cópias disponíveis ao público, coisa que A Origem, por exemplo, não teve). Quanto a ser melhor que o primeiro, há que se colocar o seguinte: não crie expectativas para um filme repleto de frases fortes, secas e antológicas. O que você verá será um conteúdo depressivo, pessimista - mas muito corajoso. Por isso, Tropa de Elite 2 supera o primeiro.
O filme já começa acelerado: Nascimento (agora coronel, interpretado por Wagner Moura) está em um hospital. Assim que ele sai, vê-se em meio a uma emboscada e seu carro é alvejado por dezenas de tiros. Entra a narração em off do personagem e somos levados a um flashback, para quatro anos atrás, onde o destino dos personagens do primeiro filme começou a mudar. O Bope tem que invadir o presídio de Bangu I para conter uma quase-carnificina entre criminosos. O coronel Nascimento comanda a ação à distância e no campo de tiro, é o capitão Matias (André Ramiro) que dita as ações. Eles partiam para a execução dos bandidos mais perigosos do Rio, quando surge a figura de Fraga (Irandhir Santos), um defensor dos direitos humanos que resolve mediar o conflito. Por um erro de Matias, Fraga acaba sendo refém. Quando tudo parecia sob controle, Matias mata o bandido que fazia Fraga refém. É o ponto para o Bope ter sua ação executora questionada, em nome dos "direitos humanos". Matias é excluído do Bope e Nascimento acaba "caindo pra cima", indo parar no cargo de subsecretário de Segurança Pública. Quatro anos depois, ele é o responsável pela quebra de quase todo o tráfico na cidade. Mas o que ele não imagina é que ao eliminar o tráfico, fez crescer uma ameaça muito maior: as milícias, que têm ramificações inclusive envolvendo o secretário de segurança e até o governador. "O inimigo agora é outro", diz o cartaz do filme. Outro inimigo, ainda mais difícil de ser contido. Para completar, Nascimento precisa lidar com a relação difícil com o filho, a ex-mulher Rosane (Maria Ribeiro) e Fraga, casado agora com Rosane e eleito deputado.
Tropa de Elite 2 talvez seja o filme mais corajoso que o Brasil já teve. Nenhum outro filme escancarou de maneira tão cruel, dura e visceral a questão da corrupção policial e política como este. O drama é tão aprofundado que, como Nascimento, sentimo-nos sufocados, sem saber para onde fugir, a quem recorrer, já que o sistema como um todo está apodrecido e praticamente não há para onde escapar. Roteirizado por José Padilha e com colaboração de Bráulio Montovani, o segundo Tropa aprofunda questões delicadas já levantadas no primeiro filme, como o papel da polícia militar, a corrupção e a execução de bandidos pelo bem-estar da sociedade. No primeiro Tropa, tínhamos a quebra de um paradigma clássico da esquerda, que coloca o bandido como uma vítima da sociedade e que só usa do crime como meio de sobreviver. As ações violentas do Bope contra os criminosos foram aplaudidas por muitos espectadores, num efeito catártico surpreendente: expiávamos ali nossos medos, vingávamos todos os mortos pelo crime, através apenas da projeção de um policial durão e que não pensava duas vezes antes de matar um traficante.
Em Tropa de Elite 2 a catarse é diferente: somos confrontados com uma realidade que, apesar de estar aos nossos olhos, não enxergamos. E percebemos, enfim, o quanto somos passivos à corrupção, que liga umbilicalmente o crime organizado e a política, numa estrutura tão bem montada, que faria inveja a algumas famiglias. O segundo Tropa tem poucas frases de efeito. O coronel Nascimento não usa tanto de seus atributos. Mesmo o famoso "saco" só aparece uma vez em cena. O que vemos é o drama de um homem isolado no meio da sujeira do sistema, entranhado até a medula com corrupção.
A análise de Tropa de Elite 2, no entanto, é muito mais ampla: a figura de Fraga reforça a imagem que alguns ainda têm dos bandidos comuns. Como o esquerdista que não esconde a admiração por Marighella (um bandido) e que acaba eleito deputado estadual, Fraga representa perfeitamente esta corrente de pensamento, que teima de optar por um prisma mais social da criminalidade, como se tudo fosse culpa do capitalismo, das injustiças, etc e etc. Outro ponto forte no filme é a sua análise política. Se esse filme fosse lançado antes do primeiro turno, é bem provável que teria feito um estrago, especialmente no Rio de Janeiro, onde essa relação de política com milícia é muito estreita. O governador corrupto do filme guarda semelhança física com o atual governador do Rio, Sérgio Cabral Filho. E um sobrevoo em Brasília, apenas com a voz em off de Nascimento não deixa dúvidas: a corrupção se estende mais do que podemos mensurar.
Claro que o filme não seria nada se fosse apenas um panfleto político. Tropa de Elite 2 é cinema de alta qualidade. Magnificamente montado por Daniel Rezende (de Cidade de Deus), o filme tem muita ação, correria, câmera na mão e ótimos efeitos especiais, tudo fruto de um investimento de R$ 15 milhões, muito bem aproveitados. Em alguns momentos, a técnica é invejável e não faz feio se comparamos com produções de Hollywood.
O fundamental, no entanto, reside nas atuações. Wagner Moura brilha de novo como Nascimento, agora com muito mais dramas pessoais para enfrentar. Moura mostra de novo que está dois passos à frente de outros atores de sua geração e dá um banho de interpretação. Sendo seu antípoda, Irandhir Santos (o Fraga) é uma excelente surpresa. Sua atuação também é muito boa, especialmente do meio para o final do filme. André Ramiro e Milhem Cortaz também estão excelentes.
José Padilha mostra de novo que é um cineasta corajoso. Seja na ficção, seja no documentário, Padilha aborda temas polêmicos sem medo e assim, faz cinema como a gente pouco vê no país. E o melhor: cinema que quer passar uma mensagem. Tropa de Elite 2 é um estudo fulminante sobre a corrupção e mostra um futuro pessimista e meio distópico. A corrupção está aí para todos vermos. Mas um coronel Nascimento sozinho não faz verão. Ou mandamos todos os "01" embora, ou nosso futuro será negro. E aí, não haverá faca na caveira que resolva.
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