Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.
Este belo poema de William Henley, realizado em 1875, é o que moveu Nelson Mandela durante os 27 anos em que passou na prisão, enquanto vigia o regime de divisão racial do Apartheid, na África do Sul. Este poema também dá o nome do novo filme de Clint Eastwood, Invictus, que reconstitui um belo momento da história.
A África do Sul era um país dividido entre negros e brancos, por imposição do governo. Negros não podiam votar, tinham direitos mínimos e vivam à margem da sociedade. Isso acabou no começo da década de 1990. O Apartheid finalmente terminou, Nelson Mandela foi libertado da prisão e conseguiu ser eleito presidente. Sua missão: unir um país através de uma identidade comum. Sem qualquer distinção racial.
E o esporte, como sempre, surge como catalisador para essa união. Em 1995, a África do Sul é sede da Copa Mundial de Rugby. A seleção local, os Springboks, são um reflexo do panorama sul-africano: há apenas um negro na equipe - Chester - o qual é venerado pela massa. Os demais, e todo o time em sua simbologia, é odiado, por representar ainda aquele período de divisão étnica. Mandela resolve apostar nessa seleção para unir a população. E contra todos aqueles que apostavam em fracasso, os Boks foram campeões com sobras, num esforço mastodôntico. Não apenas era a vitória de uma seleção. Era a vitória de um país que encontrava sua identidade.
Invictus trata de união e solidariedade. Mostra como o esporte pode unir as pessoas. A história, se não fosse real, soaria clichê. Tanto é que surpreendeu meio mundo, pela capacidade que os Boks tiveram de superar a si mesmos, o preconceito e também seleções muito mais fortes, como os All Blacks da Nova Zelândia. O filme, contudo, não trata a história como um meio de biografar a vida de Nelson Mandela. Cita alguns fatos históricos, passa por alguns momentos pessoais, mas pouco entra nessa seara. É como o diretor Eastwood já havia feito em Menina de Ouro: o esporte é usado como motor para superação de limites, preconceitos e demônios pessoais.
O roteiro se baseia em livro de John Carlin. Eastwood pontua a história com bonitas e simbológicas cenas, como a sequência de abertura, que já dá um cenário perfeito da divisão racial. As cenas de rugby são o ponto alto do filme. Bem feitas, mostram toda a robustez do esporte e amplificam a história através de bons efeitos. Eastwood também conduz à perfeição alguns de seus atores. Morgan Freeman, na pele de Nelson Mandela "Madiba", parece um caso de possessão, tamanha a semelhança de voz e compleição física. Freeman, que foi escolhido a dedo pelo próprio Mandela, tem tudo para conseguir uma indicação ao Oscar. Já Matt Damon, que interpreta François Pienaar, apenas é um nome famoso em um papel sem nenhuma exigência dramática. Ele não aparece sequer nas cenas mais brutas de rugby, somente quando a ação está em segundo plano.
Bem fotografado, Invictus conta ainda com linda trilha sonora, aproveitando a sonoridade típica da África. É um bom filme que usa do esporte para mostrar como se pode unir pessoas e acabar com preconceitos. Não é o filme genial que se esperava depois da obra-prima Gran Torino. Mas Eastwood se sai bem e entrega mais um bom filme e se consolida com o melhor diretor da atualidade.
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