Dentre os muitos motivos para se adorar o cinema setentista, "Carrie", de Brian de Palma, é, sem dúvida, um deles. A produção, que ganhou status de 'clássico' com o decorrer das décadas foi bastante popularizada como um 'terror sobrenatural'. Mas, na realidade, reduzir "Carrie" a apenas um filme de terror é uma incoerência. A película vai muito além disso e o resultado é uma trama densa que nos envolve do início ao fim e nos transmite uma variada gama de emoções.
A história, diretamente adaptada do homônimo de Stephen King (livro ao qual eu, particularmente, ainda não li), nos apresenta a infortunada vida da jovem Carrie White: vítima de uma educação extremamente repressiva de sua mãe Margareth, Carrie sofre por não conseguir ser como os demais adolescentes de sua idade, a ponto de não saber o que é uma menstruação. Por esse motivo, ela é vista como uma 'estranha' pelas pessoas à sua volta, sendo, com frequência, hostilizada; principalmente, pela antipática Chris. Além disso, Carrie é também dotada de poderes telecinéticos, aos quais ainda não consegue controlar, e pode torná-los marcadamente perigosos em situações emocionais extremas.
Mas é quando a jovem Sue se sensibiliza com sua situação, após ela ser humilhada no vestiário, que a trama se desenrola, de fato. Sue decide pedir ao seu namorado Tommy, um dos garotos mais populares da escola, para levá-la ao baile de formatura. Ao saber de tal fato, Chris decide fazer mais uma armação contra Carrie, no intento de ridicularizá-la perante todo o colégio - mal sabe ela, entretanto, que será fatal.
Sissy Spacek parece ter nascido para interpretar Carrie! Spacek compõe a protagonista de forma tão intensa que nos faz viver todas aquelas situações junto com a personagem(tendo sido indicada ao Oscar de 'Melhor Atriz'): por exemplo, quando ela é ridicularizada no vestiário, sofremos com ela; quando ela dança com Tommy no baile, sorrimos com ela; quando ela é vítima da trama sórdida de Chris no baile, nos revoltamos com ela(a ponto de não conseguir, de nenhuma maneira, condená-la em sua implacável vingança); enfim... Spacek interage com o espectador de forma tão tocante que é, indubitavelmente, o ponto alto do filme!
Outra que se destaca, sobremaneira, é Piper Laurie, como Margareth White. Margareth é uma fanática religiosa tão extrema que chega a se tornar lunática. Devido a isso, ela reprime a filha incisivamente, fazendo-a crer, por exemplo, que até as espinhas em seu rosto são maneiras de Deus castigá-la e a submete a sessões excruciantes de rezas e sofrimento físico. Mas o que mais nos chama atenção, é que ela faz o que faz não por maldade e sim porque realmente acredita piamente em todas essas sandices. E Laurie consegue encarnar toda a complexidade da sua personagem de forma admirável, sem jamais parecer caricata!
E é pelas mãos talentosas de Brian de Palma que "Carrie"se torna uma experiência ainda mais interessante. Além da escolha acertada de todo o elenco, o diretor é bastante criativo e usa uma série de artifícios para evidenciar os sentimentos da narrativa - ele usa o 'slow motion' combinado com uma canção de acordes suaves para tornar mais poético o momento da menstruação de Carrie; põe Carrie encurralada no ambiente sombrio de sua residência, quase sempre envolto por sombras, por imagens sacras que parecem dirigir-lhe olhares de repreensão; lança mão de uma movimentação de panorâmica, em uma tomada circular, para tornar ainda mais apaixonante a dança de Carrie e Tommy no baile, dando a idéia de como aquilo é significativo para ela; ou ao criar o inferno particular em cores vermelhas no salão de festas após a irrupção da ira e descontrole de Carrie, no clímax; sempre impregnando sua produção de muito estilo(aliás, De Palma é um dos diretores mais estilosos de todos os tempos) e sensibilidade..
Por esses e outros motivos, "Carrie" não é só um filme de 'horror sobrenatural' sobre o terror desencadeado pelos poderes paranormais da protagonista e sim uma trama tocante, repleta de drama, poesia, sentimentos etc.
Um ótimo exemplar do saudoso cinema setentista!
Um dos filmes de terror mais belos e tristes que já assisti. Pode parecer contraditório, mas De Palma brinca com este contraste entre o belo/horror durante toda a projeção, nos brindando com momentos de puro suspense e manipulação sensorial. Tudo neste filme beira a perfeição, o elenco, a trilha sonora, os efeitos e principalmente a direção genial do Brian De Palma.
Sou fã declarado e incondicional De Palma e King. Precisa dizer mais?
Concordo, Luiz Fernando - este é um filme peculiar: belo e triste; o que o torna mais complexo que um filme de terror qualquer, possuindo elementos dramáticos muito bem consolidados e manipulando as emoções do espectador com intensidade.
Cristian, somos dois. 😎