Billy Wilder é um titã do cinema. Um ícone das artes, daqueles que servem como divisor de águas. Uma característica dos seus filmes é o fato deles abordarem assuntos “inapropriados”, mas com muita...classe. As suas ácidas críticas não são apresentadas de maneira espalhafatosa na tela, mas usando uma estética incrivelmente elegante. O seu grande clássico “Crepúsculo dos Deuses”, filme que aborda a decadência humana, é um exemplo disso, especialmente na sua célebre sequência final. E em “Quanto Mais Quente Melhor”, o cineasta polaco mostrou sua capacidade de fazer esse tipo de filme com uma pitada a mais: como uma comédia romântica.
O ponto de partida do roteiro é muito original. Dois caras, fugindo de uma gangue, se vestem de mulheres e partem em uma viagem com uma banda feminina. Nessa jornada, um deles se interessa por uma das moças dessa banda.
Uma observação interessante: o filme foi lançado em 1959, quando o cinema em cores já era totalmente difundido. Mas aqui, o preto-e-branco caiu muito bem, já que a ausência de cores disfarçou as feições masculinas de Tony Curtis e Jack Lemmon quando estes estavam vestidos de mulheres.
Dessa vez, o nosso querido Billy resolveu abordar, nesse filme, a falta de esperança. E isso dentro, só reforçando, de uma comédia romântica! O cenário do filme não poderia ser melhor: Chicago, 1929. O ano maldito, quando começou a Grande Depressão nos Estados Unidos. E isso depois dos loucos anos 1920. E em Chicago, onde o crime organizado dominava, alimentado pela Proibição de bebidas alcoólicas no país. E cada um desses tristes fatores foi abordado no filme com maestria.
Na cena inicial (cenas iniciais geniais são uma assinatura de Billy Wilder), uma viatura da polícia troca tiros com um carro funerários, que consegue escapar, mas, em uma cena emblemática, é revelado que o caixão continha bebidas, que agora vazavam com as balas recebidas. Chegando no funeral, é revelado que na verdade se trata de uma grande festa regada a bebida. Essa fonte de prazeres temporária é que serve como uma válvula de escape para os que vão ao triste funeral, que representa o fim da esperança. Uma pedrada dessas logo de cara.
Então são apresentados Joe e Jerry (Curtis e Lemmon, respectivamente), dois músicos desesperados por trabalho. Mais um tema triste aqui: o desemprego na Grande Depressão. Eles topam tudo para conseguir um dinheiro, até mesmo apostar em corridas de cães. E quando eles presenciam um massacre de mafiosos (criminalidade, outra temática delicada), são obrigados a se travestir para sobreviver, em uma jornada com uma banda de mulheres, como já foi dito acima.
Durante a noite da viagem de trem, as mulheres resolvem fazer uma pequena festa. É curioso notar como o alcoolismo é apresentado aqui. A festa gira em torno da bebida, ela é que dá a alegria às moças, já que nada mais na vida lhes dá algum ânimo. O próprio Jerry (ou Daphne), que se mostrou bravo com a festa a princípio, se rendeu, alegremente, à ele depois de uns goles. O álcool acaba sendo o freio de segurança dessas mulheres, em face aos seus problemas, representados pela maestrina ditadora da banda. Essa irreverente cena possui um significado um tanto pessimista.
Ao chegar no destino da viagem, as moças (e os dois rapazes) são assedias por homens ricos, porém nenhum com menos de setenta a cinco anos, como a adorável Sugar (Marlyn Monroe) fez questão de enfatizar. Ou seja, mesmos os ricos desse filme possuem um triste horizonte: o fim da vida se aproximando. E isso será abordado de maneira incrível na película, e em uma cena em especial...
Com tanta coisa ruim sendo abordada aqui, um leitor que está cometendo o pecado de nunca ter assistido à esse filme pode estar se perguntado “Mas essa não é uma comédia?”. Mas é. O filme tem cenas de arrancar gargalhadas. Logo na apresentação dos personagens já se nota que Jack Lemmon, com seus trejeitos, roubará a cena. É outro titã da sétima arte o Lemmon. Curtis e Monroe também são muito competentes. E Joe E. Brown, com suas expressões faciais impagáveis, também merece aplausos. O filme não possui personagens ruins e os diálogos são ótimos, cheios de frases marcantes (“No butter, no pastry. We’re on a diet”).
Ao longo do filme, são construídas duas relações amorosas. Sugar, ao conhecer um homem milionário (que na verdade é Joe), logo se mostra totalmente entregue a ele. Porque ele é mais que um companheiro ideal. Por ser rico, ele se apresenta como um porto seguro em um momento de incertezas. O encanto de Sugar por esse homem é totalmente legítimo. Não dá para julgá-la, devido ao contexto. Mas o outro casal é que realmente chama a atenção. Um velhinho rico, em busca de companhia para o seu fim de vida, se interessa por Daphne, ou melhor, Jerry, que no começo se mostra relutante, mas depois se entrega à ideia de se casar com o velho, por motivos semelhantes aos de Sugar. E quando Jerry revela tudo ao velho, este não se mostra abalado, afinal, àquela altura, vale a pena se segurar em um último fio de esperança na vida, afinal, “Nobody is perfect”. (sim, é extremamente clichê terminar uma resenha desse filme com essa citação, mas dane-se, essa cena é genial).
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