O "sistema" como é denominado o conjunto de poderes alimentado por interesses e pelo funcionamento padronizado da sociedade, toma as rédeas de seu curso em todos os aspectos. Seu funcionamento é de alta complexidade, e embora não tenha qualquer matriz de organização, ou elementos nitidamente designados para sua manipulação, é orquestrada de maneira eficaz por suas várias ramificações que envolvem "peças" de todos os degraus hierárquicos da sociedade, seja direta ou indiretamente. E aqui habita uma das maiores forças do sistema, a alienação. Nossos atos aparentemente irrelevantes, muitas vezes atuam a favor do sistema.
E esse importante ponto, é fundamentalmente retratado em "Tropa de Elite 2", e devo acrescentar, de forma extremamente eficaz e palpável. Nascimento descobre da pior maneira possível a dimensão em que o sistema atua, sendo uma força opressora massiva que esmaga seus oponentes e ainda que de forma descoordernada, opera por meios quase infalíveis, se considerarmos toda a sua extensão de atividade.
"(...)o sistema é uma articulação de interesses escrotos(...)"
O coronel Nascimento, com a frase acima, bem resume o sistema e seu funcionamento, ao narrar atividades dos milicianos, componentes importantes para o funcionamento dessa máquina.
Tudo soa mais pesado e denso nessa sequência, o filme tem uma dimensão maior que seu antecessor, auxiliando dessa forma toda a premissa, que inclui uma crítica muito mais incisiva, mais pretensiosa.
O inimigo agora é outro, de fato, mas apenas teoricamente, já que sob uma análise geral, é o mesmo.
"(...)Quando meu filho tinha dez anos, me perguntou porque meu trabalho era matar. Depois de 21 anos na polícia, eu não sei responder essa pergunta(...)"
Essa, é outra emblemática frase de Nascimento, que corrobora a afirmação de que o sistema alimenta-se da alienação, já que é uma espécie de vilão por trás de tudo. Ao longo do filme, o protagonista reafirma as várias vezes em que foi conivente com o sistema.
"(...)Demorei demais para perceber quem eram meus verdadeiros inimigos(...)".
Técnicamente, o filme é também mais maduro que o predecessor. Seja nos plausíveis e inúmeros confrontos orquestrados por José Padilha, na fotografia realista e frenética de Lula Carvalho, na desenvoltura sonora excepcionalmente eficaz na climatização do ritmo alucinante dos tiroteios, na montagem de Daniel Rezende, na preparação de elenco de Fátima Toledo, enfim, benemerente em diversos quesitos.
E ao citar o elenco, menciono um dos pontos altos do filme. Wagner Moura confere ainda mais profundidade a Roberto Nascimento, auxiliado obviamente por todo o contexto, que o submete ainda mais á sua guerra interna, transparecida magistralmente pelo ator. Irandhir Santos encarna o antagonista de Nascimento, e ao longo do filme, várias situações os colocarão em richa. Apresentado pela narração do protagonista como um daqueles moralistas hipócritas que o coronel repudia, mostra-se como um representante da moral e da sensatez na narrativa, o que nos demonstra imparcialidade do roteiro. Além deles, destaco também Sandro Rocha, que foi uma escolha simplesmente perfeita para o corrupto capitão Russo. Seus trejeitos são nada menos que espetaculares e dão vida á um convicente tirano que é capaz de tudo para manter funcionando seu esquema, ao mesmo tempo em que mostra-se frágil, ao cometer atos inconsequentes.
O restante do elenco está afinadíssimo, também, todos trabalhando com intenso grau de seriedade, conferindo realidade em cena.
Tropa de Elite 2, confirma a força do título, supera expectativas e de maneira ágil e sufocante, nos submete a uma sessão de pessimismo. Nada do que foi mostrado ali me soou como novidade, e mesmo nessa circunstância, me atraiu como cinema, como obra de arte. Me entreteu com a jornada de um homem que apesar de endeusado, é muito humano. Por detrás da roupagem - já mitológica - de onipotência, há alguém que comete erros, age espasmódicamente, e confronta constantemente, problemas com os quais não consegue lidar
Tenho observado muitas críticas acerca da narração exaustiva do protagonista, que "mastiga" tudo para o espectado, ostentando atingir todos os públicos. Acredito, no entanto, que essa é a confirmação da minha visão sobre o filme.
Ele bem pode ser encarado como uma crítica aos moldes do sistema que nos rege, mas é em suma a trajetória de um policial competente, que ruma á sua própria decadência.
Apesar de tudo soar como uma grande alfinetada á politicagem e á corrupção, nenhuma novidade foi contada.
"Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência."
Apesar de ter um tom irônico que nos é plausível conceber, essa frase também me auxiliou na formação desse conceito sobre o filme, acreditando que a obra é sobre o personagem Roberto Nascimento, com todos os artifícios de catarse voltados para o "submundo" da sociedade.
Dessa forma acompanhamos de perto a evolução deste capitão que tornou-se coronel e ainda que acreditasse ter forças para lutar, enfim atinge a desilusão.
Desilusão com a vida.
E está é uma reflexão que vai muito além do sistema, da polícia, da política.
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