Ondine, fábula moderna do diretor Neil Jordan, o mesmo do ótimo Entrevista com um vampiro, do suspense meia boca A premonição e do dramático e bem aceito pela crítica Fim de caso.
Nesse novo drama, Jordan se volta aos contos de fadas e sua terra natal para contar a história de Syracurse (Colin Farrell), um pescador que num certo dia puxa para o seu barco uma linda e misteriosa mulher (Alicja Bachleda) através de sua rede. Ela se intitula Ondine, aquela que veio do mar. Sem lembranças de quem é ou de como foi parar no mar quase morrendo afogada, ele a acolhe em seu lar. A filha de Syracurse, Annie (Alison Barry), é uma garotinha com sérios problemas de saude e saber de Ondine, acha e tem praticamente certeza que ela é uma sereia, uma criatura mágica, ou como dito por ela, uma espécie de foca que é capaz de se transformar numa mulher por um certo tempo. Enquanto Annie tenta provar para si mesma de tal fato, seu pai se apaixona perdidamente pela moça. Porém, assim como em todos os contos de fadas, há um perigo que os ronda e que está muito próximo deles.
Tudo no filme soa entre a realidade e a magia. Alguns acontecimentos fazem com que Syracurse pense realmente sobre a possibilidade de Ondine ser uma sereia: o excelente momento com a pesca que vem vivendo, em que nem ele acredita que esteja realmente acontecendo, a jeito como ela, simplesmente cantando, consegue atrair toda sorte de peixes e espécies marítimas, mesmo em época difíceis ou com condições minímas para obtê-las e o principal, a forma como ele vai percebendo que pode ser feliz novamente. Tudo isso faz com que ele deseje essa fantasia ou queria apenas vivê-la.
O desejo dela em não ser vista, faz com que ele pense que ela seja uma ilusão, já que ele está em processo de abstinência e tem trabalhado muito nos últimos meses, mas ele também quer que essa história seja real, pois afinal, tanta realidade sobre a vida dele o fez um homem amargurado e triste. Com a filha doente e vivendo com a mãe alcoólatra, já que não conseguiu a guarda da menina e sempre esperando pelo pior, Syracurse insiste em acreditar nessa fantasia, pois seria para ele voltar a ter esperança, algo que ele havia perdido há muito tempo.
O drama segue essa linha da ambiguidade, sempre mostrando tudo pela subjetividade, nunca afirmando, mas também nunca contrariando esse pensamento surreal.
Rodado no norte da Irlanda, o filme possui belas paisagens em que o clima nórdico mais a fotografia fria, gélida e acizentada dão um toque envolvente, terno e mágico ao longa.
A trilha sonora é marcante, o destaque vai para a música cantada por Ondine e o instrumental utilizado sempre quando algo sobrenatural ou irreal está prestes a acontecer. Outro ponto bacana são os contrastes entre a luz e a câmera em certos momentos promovendo belas imagens.
A direção é sempre fantástica. O jogo de ilusão/verdade se perdura até os momentos finais. Até o espectador quer realmente saber se tudo o que presenciou é verdade ou apenas coincidências da vida. O elenco está formidável. Farrell faz muito tempo em que não conseguia uma atuação tão contida e verdadeira. Seu personagem é fechado e nada otimista, apenas mantém uma seriedade constante, até quando tudo parece irreal e isso é passado com firmeza pelo ator. Bachleda como Ondine é incrível. Sua atuação é firme e misteriosa, faz com que você realmente não saiba qual é a dela.
Além de ser muito bonita, ela tem uma bela voz que é usada nas canções do filme, pelo menos isso tem uma explicação real, ela na verdade é cantora. Barry como Annie começa legal, uma garota que apesar de ser pequena, não faz o tipo menina sofrida, doce e ingênua. Ela sabe de suas limitações e dos seus problemas e não aceita facilmente, mas vive e isso é transmitido corretamente pela atriz, infelizmente os elogios a ela duram pouco tempo, no meio para o final do longa, ela fica muito chata, a forma como leva essa história a sério a deixa insuportável.
E aí temos o final, após ficarmos minutos em frente a tela vendo uma história comovente, bela, mágica e real, temos o desfecho. Algo deve ser fechado e a resposta para tudo deve ser dada, pelo menos, dar a entender e esse é o único pecado o filme. Até eu que sou extremamente realista, e prefira mais a realidade do que a ilusão, gostaria que o filme seguisse essa linha dos contos de fadas. Tudo é explicado, há coerência e ligação entre os todos os pontos do drama, porém fica aquela sensação de que um conto poderia ser melhor.
Apesar desse detalhe, pois isso é um mero detalhe, ainda fica o conjunto da obra, um filme terno, simples, envolvente e mágico, que usa e abusa da dúvida e da incerteza para prender o espectador e entregar um instigante filme, não uma obra-prima, mas um bom filme. Afinal, a verdade está naquilo em que você acredita.
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