“Eu não sou um mosntro”
Com uma história densa, complexa e polêmica, O lenhador nos transporta para um cenário em que somos convidados e desafiados a enxergar o vilão com outros olhares e ficar simplesmente nessa posição, a de observador.
Walter (Kevin Bacon), após deixar a prisão, resolve retornar à sua cidade e tentar simplesmente recomeçar sua vida. Consegue um emprego e aos poucos passa a se relacionar com Vicki (Kyra Sedgwick ), uma empregada da empresa, que assim como ele, possui mágoas do passado que tenta superar. Porém, mesmo com, aparentemente, dando tudo certo em sua nova vida, alguns fantasmas do passado ainda tentam assombrá-lo. Carlos é o único de sua família que o visita, sendo ele apenas o cunhado . Alguns da empresa em que trabalha olham com desconfiança para ele,o sargento Lucas (Mos Def) o ameaça constantemente, sempre vigiando seus passos esperando que ele faça algo errado para poder prende-lo novamente e por fim, o apartamento onde está instalado, o único que aceitou receber seu dinheiro, fica em frente a um colégio primário. Mas qual é o crime que vive rodando sua vida? A pedofilia.
O tema que rege O lenhador é extremamente forte, pois no ousa a tentar enxergar com outros olhos esse que para a sociedade é um monstro. Sem jogar com maniqueísmos, o longa tenta humanizar essa figura e colocá-lo com uma pessoa doente, com fortes problemas mentais.
A fotografia é fria e distante e o mais legal é como o diretor faz uso das cores para transmitir suas mensagens, usando apenas as cores vermelhas em certos momentos para representar os desejos profundos e perigosos de Walter. O mais interessante é que essa tonalidade aparece sempre em objetos infantis, fazendo uma total referencia ao protagonista. O vermelho, como todos sabem, incita o desejo, prazer, sexo e aqui é tudo isso e mais um pouco. Todos os medos, receios, monstros e os mais profundos desejos estão materializados por esse vermelho. Durante o longa a uma cena clara a uma história infantil em que todos nós já pensamos com malicia, que no caso é chapeuzinho vermelho, por isso talvez o nome de “O lenhador”. Walter está no bosque seguindo uma garota que faz dias que chama sua atenção,quando ele cruza com ela, ela está usando uma blusa com touca vermelha.
Outro ponto que chama a atenção para esse filme é o pôster. Com uma bela fotografia repleta de cores vibrantes em dourado, aparece o Walter com suas cores cinza, segurando uma bola vermelha de olhos fechados e ao fundo uma floresta com vários troncos de árvores que começa escuro e vão ganhando tonalidades mais claras e bem distantes, atrás dele, pombas voando. Bem infantil, mas cheio de metáforas. O fundo significa suas fantasias, a bola vermelha, seus desejos e ele de olhos fechados renegando a tudo isso. Da mesma forma que ele segura com firmeza a bola, ou seja, seus desejos, ele a mantém distante.
Outro ponto positivo é a trilha. Densa, forte, com muitos pontos altos, ela guia as imagens e completa a angústia do personagem. Apenas no instrumental, podemos sentir sua tensão, seus gritos de socorro em meio ao silêncio do seu sofrimento. Um belo trabalho com trilha sonora. Mas o que chama a atenção é a atuação de Bacon. Ele dá vida ao personagem, o defende, o humaniza, por gestos consegue demonstrar toda dor e angústia. Uma frase marca bem o filme: Eu não sou um monstro. Uma das suas melhores atuações. Todo elenco sai formidável, mas Bacon, simplesmente rouba a cena. Várias cenas são marcantes e fortes, mas a que mais chama a atenção é a que Walter está com a garota no bosque e Walter pede para que ela sente em seu colo. Nesse momento, ela senta e começa a contar uma história, isso aos poucos, debaixo de várias lágrimas.
O longa é ousado, lançado em uma época em que surgiram diversos casos de pedofilia. Ou seja, em meio a tantas noticias a respeito desse crime, esse filme surge como uma proposta de tentarmos compreender o que se passa na mente de uma pessoa como essa. Produzido de forma independente, o filme também foi lançado em uma temporada em que outros trabalhos com a mesma temática foram produzidos como “Sobre meninos e lobos” e “Má educação”. No caso do segundo não pude ver ainda, mas em relação ao primeiro, retrata as conseqüências desse ato sobre a vida de um garoto e não do sujeito que provou isso. Enquanto em “Sobre..” o pedófilo era uma senhor, aparentemente asqueroso, gordo que causava repugnância, em “O lenhador”, o pedófilo em questão é mais jovem e de boa aparência.
Enfim, um filme forte, com um final polêmico. Alguns aceitariam a cena final, outros não, mas difícil imaginar um desfecho para uma história como essa. Com uma bela fotografia cheias de detalhes, uma trilha sonora envolvente e uma atuação surpreendente de Kevin Bacon, O lenhador é uma ousada história sobre a mente e a culpa de um homem que é visto como monstro diante de todos nós.
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