O perfeccionismo envolto a Stanley Kubrick é uma marca, até mesmo um culto, que o diretor carrega junto a sua imagem. Reconhecido como um dos maiores - e para muitos o maior - diretor de todos os tempos, Kubrick não precisa de provação alguma, seu legado consolida e ratifica cada elogio recebido e todos aqueles que ainda virão. Afinal Stanley, além de marcar o nome na história cinematográfica, se consolidou de forma sólida e competente como uma referência, um nome que será sempre lembrado e cultuado. Diferente de Vargas, ele não saiu da vida para entrar pra história, mas se dedicou ao cinema, e conseguiu de fato, entrar pra história graças ao legado construído em vida.
Como já disse anteriormente, o perfeccionismo é uma marca de Kubrick, fato sempre comentado nos papos entre cinéfilos - chegando, muitas vezes, a alcançar o status de verdade absoluta - onde os argumentos se misturam com convicções formuladas a partir da filmografia do diretor e dos vários "mitos" da relação entre Kubrick, técnicos e atores, que até onde sabemos, era conturbada ao extremo, devido ao temperamento exigente do diretor. Muitos são os filmes que embasam este pensamento e que defendem e consolidam o perfeccionismo Kubrickniano, mas Barry Lyndon de 1975 é um forte candidato para número um em matéria de inovação e rigor técnico.
O filme de 1975 conta a história de um pobre Irlandês, do século XVIII, que se tornou membro da nobreza inglesa. A obra é baseada no livro de Willian Makepeace Thackeay e traça de forma minuciosa os aspectos da vida de Redmond Barry - um jovem humilde e apaixonado - até sua ascensão social e a consequente degradação pessoal sofrida de forma intensa e deteriorante. Numa trama construída de forma meticulosa, explorando a beleza de forma extrema, Kubrick nos presenteia com um épico fantástico que beira a perfeição em todos os aspectos cinematográficos possíveis.
Em Barry Lyndon o perfeccionismo Kubrickniano pode ser observado e compreendido. O filme de 1975 é um dos mais inovadores do diretor do ponto de vista cinematográfico. Kubrick mandou desenvolver lentes especiais para filmar cenas com baixa exposição, iluminadas apenas por luz de velas, com o objetivo de obter uma fotografia fílmica similar a uma pintura do século XVIII. Além disso, Stanley empregou um ritmo lento e mediativo nos movimentos de câmera e na duração dos planos, com o intuito de promover a sensação da passagem de tempo de um período pré-industrial. Podemos observar, o quanto Stanley foi um visionário e uma das peças mais importantes para o desenvolvimento do cinema. Seus planos sequência estão entre os mais famosos do cinema. E para finalizar o parágrafo e não me alongar na discussão, o inventor do steadicam, Garret Brown, afirmou que no filme O Iluminado seu equipamento foi utilizado pela primeira vez de forma correta no intuito narrativo, ele ainda disse que aprimorou a própria técnica ao trabalhar com Stanley.
Jacques Aumont - famoso teórico francês - em seu livro O Olho interminável, que teve a primeira edição - segundo pesquisas na rede - lançada em 1989, trata dentre outras coisas, principalmente da relação entre cinema e pintura. Segundo as palavras do autor existem pontos que aproximam os campos acima citados, mas também pontos que diferenciam. Com relação as semelhanças podemos citar geometria espectorial, imagens planas, dentre outros. Já com relação as diferenças irei me concentrar na luz. Segundo Aumont, a iluminação do dispositivo de apresentação de uma pintura não é nem muito forte nem muito fraca, já a exibição de um filme é formado por um feixe de luz projetado. Aumont cita algumas obras do cinema, a partir das ideias apresentadas em seu livro, que buscam se aproximar de forma ainda mais precisa da relação com a pintura, podemos citar Passion de Godard. O livro de Jacques é uma referência, sendo inclusive, considerado um marco nesta linha de pesquisa, por isso, é uma obra acima de qualquer suspeita, não é verdade? Pois quando estava lendo O olho interminável algo me incomodava de forma intensa: era justamente o tom meio que arrogante e egocêntrico adotado por parte do autor (haja vista a forma como Aumont se refere a Scorsese em um dos últimos capítulos do livro, que agora não lembro exatamente qual), mas ao finalizar minha leitura, algo me deixou ainda mais incomodado, justamente a ausência de Barry Lyndon entre as obras citadas no livro.
Primeiramente gostaria de pedir desculpas ao leitor, afinal Aumont é um grande teórico e eu sou apenas Alisson Gutemberg, um simples Jornalista, cinéfilo e blogueiro. Mas lendo os escritos de Gramsci sobre o papel do intelectual em nossa sociedade, comecei a julgar tal comportamento adotado por Jacques, como ainda mais egocêntrico, um olhar típico para o próprio umbigo, mas quem sou eu, não é verdade? Mais uma vez peço desculpa, mas desta vez para o intelectual Aumont, por minhas "desajustadas" e "incoerentes" palavras. Voltando a Barry Lyndon, prefiro finalizar meu texto com a opinião de Martin Scorsese: "Não estou certo se posso afirmar ter um filme favorito de Kubrick, mas retorno repetidamente a Barry Lyndon. Penso que é por ser uma experiência tão profundamente emocional. A emoção é transmitida através do movimento da câmera, da lentidão do ritmo, na forma como as personagens se movem naquilo que as envolve. As pessoas não o perceberam quando ele estreou. Muitos ainda não o percebem. Simplesmente, na cadência sucessiva de imagens de rara beleza, vemos o caminho de um homem à medida que ele evolui da mais pura inocência até à mais fria sofisticação, terminando numa absoluta amargura - a materialização elementar da sobrevivência. É um filme atemorizante pois a beleza da luz dos candelabros é apenas um manto diáfano sobre a pior crueldade. Mas uma crueza real, do tipo que se encontra todos os dias na sociedade civilizada."
Excelente texto, muito bom mesmo. Deu vontade de rever, farei isso brevemente.