Você já deve ter ouvido ou lido alguém dizer que você só assiste verdadeiramente um filme quando o vê pela segunda vez. Isso foi o que aconteceu quando reprisei "Precisamos Falar Sobre o Kevin". Eu já havia lido o livro de Lionel Shriver e criava muitas expectativas em torno de toda a filosofia trabalhada na obra ao ser transposta para a tela. Esse é um dos problemas mais chatos de se assistir algo que você já leu, a comparação é inevitável e, não raro, pode acabar destruindo uma bela experiência ou imersão cinematográfica. A verdade é que é quase impossível uma adaptação conseguir satisfazer completamente o leitor da obra original e ao mesmo tempo agradar a um público que desconhece a trama. Para que um longa consiga tais itens é necessário fazer uma balança na qual seguirão as cenas de maior importância e que, simultaneamente, revele a essência da história. E é nesse quesito que a diretora Lynne Ramsay sai vitoriosa, o equilíbrio do longa sempre está oscilando entre sutileza e objetividade, que são coisas constrastantes, mas que podem gerar as mais diversas sensações do ponto de vista da protagonista.
Na primeira vez que assisti notei que Kevin quase não aparecia, pelo menos não visualmente (pois tudo está apontando para ele de alguma forma). Só depois, analisando melhor, é que concluí que essa talvez tenha sido a melhor opção, afinal estamos sempre acompanhando a trama pelos olhos de Eva e o filme está certo em fugir de algumas peculiaridades que soam como meras suposições dela a respeito do filho. O filme coloca as situações em que ela está de fato presente, dando credibilidade à protagonista sem a fazer parecer paranóica.
Uma das coisas que mais me incomodou a princípio foi o silêncio com que a maior parte das cenas lidava, pelo menos para mim isso é como um alerta dizendo "Filme Feito Especialmente Para Festivais". Sei que isso soa preconceituoso, porém dependendo o caso, o longa não tem um bom conteúdo e abusa do silêncio para parecer inteligente. Felizmente, esse não é o caso de "Precisamos Falar Sobre Kevin". A sutileza torna-se essencial para que nos identifiquemos com o drama de Eva, a mãe e única pessoa que conhece a índole perversa de Kevin, entretanto permanece calada por conta do marido e a própria sociedade não entenderem que o menino já demonstrava tendência a algo pior.
A objetividade vem com as cenas pesadas. Arrisco dizer que o final desse filme talvez seja o mais perturbador do ano. Após vermos a convivência entre Eva e Kevin durante toda a projeção, buscando um porquê pelos atos do rapaz, terminamos da mesma maneira que Eva no clímax, estupefatos. E isso é um mérito enorme de uma boa direção, pois NÃO HOUVE APELAÇÃO. Desde o começo já víamos curtos flashbacks do que viria no clímax, mas mesmo quando este chegou, estávamos tão despreparados quanto Eva, com a diferença de que já sabíamos o que ocorreria. Isso demonstra o quanto o longa foi engenhoso na hora de montar os fatos de maneira que o telespectador tivesse bastante noção da situação pela qual a personagem estava passando.
Elogios a parte, o elenco inteiro está bem afiado. Tilda Swinton está excelente interpretando Eva e Ezra Miller consegue sempre roubar a cena em suas poucas, mas suficientes, aparições.
Li que o New York Times declarou ser um longa aterrorizante e assustador. Talvez não haja definição melhor se levarmos em conta a premissa inicial. Alguns já devem ter notado a semelhança deste com A Profecia, Alien e O Bebê de Rosemary. Eles têm em comum a fantasia de uma mulher a respeito do filho. Infelizmente, algumas mulheres não apresentam um vínculo forte quando a criança nasce, é natural que, quando isso ocorra, elas culpem de alguma forma o bebê ou a si próprias. O que "Precisamos Falar Sobre o Kevin" tem de mais assustador é justamente a exposição nua e crua da visão de uma mulher que sofre por não ter esse vínculo com o filho. Ela jamais desiste de alcançá-lo, contudo sua relação com ele é sempre de amor e ódio, consequência obviamente de tudo o que ele a fez passar. Mas, quem achou isso terrível, não se preocupe, pois se faltou algo na adaptação foi mostrar o lado mais negativo da relação entre os dois. A trilha sonora (estranhamente alegre) já tenta suavizar um pouco a enorme tensão que há durante todo o longa, acredito que seria bastante desagradável escutar o diálogo quase macabro, que há entre os dois no livro, também no filme.
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