O SUBSTITUTO
A temática empregada neste filme causa uma concepção ambígua, sendo ludibriada durante boa parte de sua execução. Em determinados momentos não sabemos se a delicadeza e sensibilidade protagonizada por Adrien Brody, que consegue captar nuances meticulosos da alma que existe e resiste no Romantismo do ofício de ser professor, no orgulho de desempenhar esse papel. Aqui, o ator consegue captar todo o seu talento restaurado dos tempos em que foi ganhador do Oscar de melhor ator pelo filme “O Pianista”. Seu personagem no filme, apesar de demonstrar as emoções e sentimentos dos milhões de docentes espalhados pelo mundo, não se confunde com o de um educador que se dedique no aprendizado de seus alunos no dia a dia, criando laços afetivos, tornando-se amigos dos mesmos, para que, desta forma, possam interagir de maneiras menos complexas. O professor Henry Barthes é um professor substituto, ou seja, ele viaja pelo país pulando de escola em escola, preenchendo vagas de disciplinas em vacância. Seu conceito idiossincrático de educação é o não apego aos alunos e aos colegas de trabalho, prefere a sua solidão rotineira sem alguém para atrapalhar uma falsa vida organizada. O que o martiriza na realidade são laços dolorosos e situações profundas que viveu em sua infância que pretende nunca mais passar, mas que nunca se recuperou.
Essa sua vital solidão estaria iminentemente próxima de ser afetada, e seria bem forte a rajada de balas que ela receberia. A sua vida seria sugada, subitamente, sem que conseguisse nem tentar se defender, pelas realidades de três figuras femininas – Uma adolescente, moradora de rua que vivia se prostituindo para viver; uma aluna, muito talentosa, em fuga de si mesma, atormentada pelo desprezo e pelo bullying sofrido pelo próprio pai e por uma professora de sua escola.
Envolvimento não denota necessariamente um relacionamento afetivo. Dessa forma. a garota que se prostituia foi morar com ele, e com os dias que iam passando parecia se desenvolver ali um relacionamento paterno. Sua aluna, quando não estava em sala de aula, passava o resto do dia tirando fotografias, e desenvolveu um grande afeto por Barthes.
Sua rotina na escola enfrenta casos corriqueiros, que marcam o currículo da maioria dos professores de escola pública, os alunos indisciplinados, aqueles que enfrentam a sua autoridade e os esquentadinhos, aqui ele não demonstra medo ou nervosismo, enfrenta-os e disciplina a regra essencial na sala de aula: “Quem não quiser assistir, pode sair!”
O professor Barthes faz uso da mesma metodologia de ensino utilizada pelos professores da minha escola e de tantas outras escolas espalhados pelo mundo, mas esbarra, assim como os verdadeiros professores, no muro do desinteresse e da não importância e negativismo às coisas que se passam dentro do terreno escolar, percebem-se três ou quatro alunos interessados no escopo e no fulcro esquematizado pelo professor para determinada aula, todo trabalho que o mesmo dispensou para a construção da mesma, e o restante da turma totalmente dispersa, alienada e aleatórios em conversinhas paralelas esperando o sinal de bater e sem notarem ou despertarem que o seu tempo também vai bater.
Na passagem mais realista do longa presenciamos um momento entre uma aluna e uma professora conselheira, algo parecido como uma psicopedagoga.
A professora começa a mostrar as notas recentes da aluna, notas muito baixas e esta nem se importa, percebe-se na aluna ser apenas mais uma, que não tem ambição, nem vontade de crescimento e desenvolvimento por meio dos estudos. Diz que vai ficar com o namorado, fazer uns bicos como modelo e entrar para a banda do namorado. A professora, num momento de exaustão completo, cansada de ouvir todos os dias as mesmas coisas, várias vezes, dos mesmos tipos de alunos, descarrega o que tinha para dizer: “1º - Você nunca será componente de nenhuma banda, nem será uma modelo de sucesso, pois não tem ambição, sem experiência, competirá com 80% do trabalhador americano por um salário mínimo e isso será para o resto de sua vida, até ser substituída por um computador. 2º - O único talento que você terá é o de homens querendo comê-la e quando você se der conta de que sua vida é uma merda, poderá ser tarde demais.” Manda a aluna sair, gritando e chorando. A aluna vai em direção à porta e lhe diz: “Vai se Foder!”
Depois deste episódio ela, a professora, procura um dos seus colegas com quem se confidencia sempre e diz estar doente, o colega diz a ela que ela não está doente – a escola é um manicômio – diz tomar pílulas todos os dias para poder ensinar, sua vontade era poder jogar um aluno pela janela todos os dias. Para ele a pior coisa em ser professor é que ninguém nunca lhe diz “obrigado.”
Depois de relatada tal situação é que nos envolvemos em questões críticas, debates ontológicos de natureza docente, analisar o prisma conjectural pela ótica discente. Entramos assim, passados boa parte do filme, naquilo que fora suscitado no início do texto: existe uma ambiguidade na temática do filme? Como assim? A responsabilidade da película é mostrar a realidade na vida do professor oprimido ou opressor? Ou destacar as facetas desenhadas, durante os anos em alunos de diversas espécies? Aqui podemos fazer comentários da ordem de parâmetros a serem seguidos na condução dos alunos, deixando de lado, toda exaustão, todo cansaço, toda doença, todo mau-humor, qualquer dia em que algo de ruim esteja acontecendo com o docente, simplificando, o surto da professora visto no filme é totalmente reprovável, pois um educador deve servir de exemplo diante de seus educandos, partimos assim, a outro dilema, não devemos demonstrar emoções, mas se for essa a melhor forma de agir estará sendo quebrado o círculo da aproximação e do contato que deve existir entre professor e aluno. Assunto que requer bastante cuidado. O que é ser um verdadeiro educador então? Severo demais é fascista. Amigável em excesso é fraco. Se tentar unir as duas características ouvirá sempre dos alunos a velha repetição: “Nossa professor, hoje você não estressado!” ou o contrário.
Barthes, que tem um avô internado em uma clínica, vai todos os dias visita-lo, mas chega o dia em que ele morre, assim, vai com ele o último elo de humanidade que ainda existia com aquele pessoa.
Ele, agora, precisa se livrar de Erica. Sem que ela saiba ele entre em contato com uma instituição que cuida de menores sem lar, imediatamente ainda no momento em que estão conversando sobre esta separação, os funcionários da Instituição chegam a sua casa e arrancam Erica de lá, sem piedade, sem remorso, como se fosse uma aceleração metastática cancerígena que precisa de expulsão imediata. Aos gritos, solavancos, berros, hiperbólicos e desesperados soares de seu nome, Barthes fica quieto escorado a uma parede, derrama algumas lágrimas e deixa-a ir embora.
Para ilustrar o senso de comunicabilidade, interação e de interesse por parte de pais e da comunidade com qual estava passando a escola a diretora promoveu uma Reunião de Pais e Mestres, para o não espanto dos mesmos não apareceu ninguém, eles se confraternizaram, dançaram entre si e contaram histórias do passado de como eram essas reuniões.
A aluna Meredith, que nutria um apreço todo especial pelo professor que ali passara a se configurar para ela como um ídolo pede para conversar um pouco, mas começa a chorar copiosamente e diz amá-lo, pede para abraçá-la, mas ele tenta afastá-la, nisso a professora Sarah entra na sala e vê os dois juntos, Meredith sai da sala correndo desesperada e Barthes tem um surto repentino, pois Sarah interpreta a cena de uma forma distorcida por vê-los abraçados. Ele joga as cadeiras umas contra as outras e grita que não é pedófilo, que não estava agarrando-a.
Passam-se os dias e Barthes tem a sua última aula na escola, Meredith não está presente, ela estava confeccionando um pôster que iria ser exibido em frente a sua escola. Quando Barthes sai encontra-a logo, pergunta por que faltou a aula, ela diz que estava ocupada cozinhando os bolinhos. Todos os bolinhos tem um sorriso desenhado e são brancos, apenas um é diferente, este é verde e faz cara de tristeza, Barthes escolhe exatamente ele, mas Meredith diz que aquele era dela, dá outro para seu professor que sai. Alguns minutos depois Barthes desconfia e olha em direção ao estande de Meredith que está comendo o bolinho, percebe algo estranho, em poucos segundos ela cai expelindo sangue pela boca, Barthes tenta reanima-la, faz respiração boca a boca, mas, infelizmente, ela cometeu suicídio diante de toda sua escola.
Barthes termina os últimos minutos do filme se referindo ao fracasso, de como muitos fracassam durante a vida.
Diz para Sarah que não é humano, que descobriu que não é humano. É um ser vazio, sem sentimentos. Assim, em sala de aula, ele se despede de sua turma com um trecho do conto “A queda da casa de Usher” de Edgar Allan Poe, utiliza esse fragmento para se autobiografar.
Poe escreveu isso há mais de 100 anos. Então, como lemos podemos ver que “A casa de Usher” não é somente um velho castelo em ruínas… É também um estado de ser.
“Durante todo o dia nublado, escuro e silencioso no outono daquele ano, quando as nuvens cruelmente cobrem o céu, eu passava sozinho, à cavalo, por aquele sombrio pedaço de terra daquela província e, enfim, encontrei-me como o orvalho das sombras da tarde, com a visão da melancólica Casa de Usher. Sabia como era. Mas, com o primeiro vislumbre do edifício um senso de insuportável tristeza, invadiu minha alma. Olhei para a paisagem simples do local. Sobre as negras paredes, alguns troncos brancos de árvores podres com uma absoluta depressão da alma. Não houve frieza. Um naufrágio. Uma revolta do coração.”
Durante a leitura do texto é mostrada a escola toda desorganizada, em estado caótico e no fim, Barthes, sozinho, lendo em sala de aula, como se tudo aquilo fosse parte dele mesmo.
Como referencial ulterior quero registrar a capacidade do diretor inglês Tony Kaye em dirigir com tanta sensibilidade e delicadeza um mundo que não reflete estes dois sentimentos concretamente. No dia a dia do aluno e do professor os sentimentos que mais preponderam são os de ojeriza, aversão e, em muitos casos ódio, existem muitos alunos que tratam seus professores com respeito e com afeto e é a estes que o filme deve ser dedicado, aos que olham para os professores como inimigos esse filme deve servir de aviso. Mas Kaye, da mesma forma que soube trabalhar com “A outra história americana”, seu primeiro filme, hoje um clássico, onde embutiu o mundo racista e neonazista mostrando a realidade com demonstrações de sentimentos em relação às minorias. A transformação que a cadeia pode fazer com um homem. E o mais importante, ele conseguiu mostrar que pensamentos sionistas são opiniões estupidas e ignorantes, não compatíveis mais com o mundo moderno.
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