A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA (2011)
Augusto Matraga é a última história que encerra o livro de contos “Sagarana” de João Guimarães Rosa, precioso e preciso como não deixa de ser toda a sua obra. Aqui vira filme com direção de Vinicius Coimbra que parece ter padecido de um longo tempo para a consumação e o aprimoramento adaptativo do ambiente atmosférico criado por Guimarães. Nele, os personagens precisam entrar na obra, ler, observar, espiar alguns trejeitos matutos e de maneirismos tabaréus dos nativos sertanejos, mas como, por muitos estudos de seu autor a tarefa não é muito fácil, pois ele não apenas incorpora um simples cangaceiro, um lavrador, agricultor, ele faz a junção de várias cabeças hídricas, misturas simbólicas num sertão que tudo vê e que se abre para todas as veredas do mundo.
Somente a partir de uma certa segurança em poder incorporar cada personagem que o filme dá início. Como se fosse num “bang bang” italiano o longa começa já numa cena de ação bem movimentada em que Augusto Estevez cai numa emboscada, mas consegue sair vivo. É homem de índole machucada, arranhada pelos chapadões e pela caatinga dos imensos latifúndios de Minas. Não dialoga com sua esposa, tem nela apenas uma concubina, que esta ali somente para lhe servir e lhe dar prazer na hora que a ele for necessário. É o típico homem rústico da roça, que vive uma vida ainda numa era medieval. Em determinado momento sua mulher foge com outro homem junto com sua filha, ele vai à fazenda de seu inimigo e lá é bastante espancado, arrastado para fora das terras do referido inimigo e é marcado à ferro quente, ele dá um pulo e cai direto entre as pedras dos chapadões, some e ninguém sabe o que deveras viera a lhe acontecer.
Augusto Matraga, que, por ventura, provavelmente estaria morto, sem condições alguma de sobreviver às condições em que se encontrava acaba sendo socorrido por um casal que mora debaixo de uma enorme rocha. Demora bastante a se recuperar, o diretor do filme parece ter escolhido um casal de negros de forma proposital para salvar Augusto, deixando como sugestão de entendimento o fator de sobrevivência e de sabedoria na arte de conseguir curar as pessoas por parte dos mesmos. Passado algum tempo, ele está de pé, decidem seguir rumo à casa de Augusto. Antes de ir o padre pede a Augusto que esqueça o ódio e a ideia de vingança e que sirva somente a Deus e é isso mesmo que ele irá fazer. Chegam ao povoado, vivem uma vida tranquila, sem infortúnios, nem preocupações. Mas quando chega à cidade o bando de Joãozinho Bem-bem, Augusto logo se apresenta oferecendo casa e comida aos mesmos. Passam alguns dias ali e quando vão embora o próprio Joãozinho pergunta a Augusto se ele não quer se juntar ao seu bando, mas ele diz que não.
Augusto sabe que existe um verdadeiro Matraga, e este não está morto, só descansa dentro do seu peito, usando como cobertor uma capa de ódio, dor e vontade seca de vingança contra todos aqueles que tiraram sua dignidade, mas, hoje, para ele, maiores são os desígnios de Deus.
É chegado o dia de sua partida, seu mundo é maior do que aquilo apenas. Vai em busca de algo maior, vai em busca do bando de Joãozinho Bem-bem. Cavalga alguns dias em sua mula até chegar em um povoado deserto recebendo a notícia de que a tropa de seu parente, era assim que o chamava, estava ali arranchada. Qual não foi a alegria daquele homem maior ao ver tão descorado rosto gasto pelo sol, pediu que entrasse e tomasse uma xícara de chá. Conversaram alguns dedinhos de prosa até Augusto ficar sabendo da morte de Jurumin à traição. Logo em seguida, aparece o pai do rapaz que vem tentar interceder pela vida dos filhos em lugar da sua, pedindo em nome da Ave Maria e de Deus, mas o irrefreável homem muito bem vestido num terno branco não aceitava tal pedido, pois não poderia vacilar pedido a homem nenhum, pois se assim o fizesse ficaria com fama de ter amolecido diante um cabra. Mas, quando do abate do infeliz homem prostrado ali no chão, Augusto interfere a execução se referindo a Joãozinho que ele não pode matar tal coitado, pois ele se valeu como proteção divina da Virgem Maria e Jesus Cristo, sendo assim, o senhor não pode prosseguir com suas intenções, mas o algoz da vítima assim diz: “Quem me deu minha honra foi Deus e só quem pode tirar é Ele mesmo!” Augusto pega a garruncha que estava sobre a mesa e em movimentos rápidos e certeiros acerta logo dois capatazes de Joãozinho, escondesse atrás de uma coluna de madeira, o local vira um verdadeiro cenário de tiroteio digno dos antigos “saloons” americanos dos anos 30. Um homem contra vários, ele leva um tiro, mas não fraqueja, acerta um tiro em Joãozinho, continua a derrubar seus homens um a um até não sobrar mais nenhum a não ser ele mesmo e a Joãozinho, que não podendo mais se digladiar com as suas pistolas arrastam facas e vão para fora do alojamento onde estavam, ficam se estudando e se merecendo um ao outro, em convivas de honras de terem podido morrer com dignidade pelas mãos de cabras verdadeiros, quando Joãozinho vai em direção a Augusto este lhe passa o golpe fatal. Augusto não se demora muito e morre em seguida.
O que é há de mais belo neste filme, além da grata adaptação de um texto maravilhoso de Guimarães Rosa, foi a transformação dos personagens em personagens típicos de um sertão que tomasse cuidado para que não descambasse aos estereótipos do Nordeste, João Miguel que interpreta Matraga é um ator espetacular, ele que já havia dado um show em “Cinema, Aspirinas e Urubus” consegue convencer tanto a tela da câmera que nos faz acreditar ser um morador nativo do local em que está sendo gravada as cenas. Aliás é bom salientar que o elenco em si é uma verdadeira benção, Júlio Andrade, Chico Anysio, João Miguel, José Wilker e Ivan de Almeida.
Não é à toa que ele está inserido entre um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, e, a partir de hoje já faz parte de minha lista também. Indico a todos que gostam de filmes com uma boa história e um bom roteiro adaptado, com ótimas interpretações e que não irá leva-lo a um estágio de letargia e/ou de displicência.
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