Raro exemplo de diretor que consegue lançar um filme por ano há mais de três décadas, Woody Allen vem mantendo um padrão de qualidade elevado em suas produções recentes, ainda mais quando a comparamos à maioria dos filmes hollywoodianos da atualidade. Excetuando-se os fracos Scoop – O Grande Furo (2006) e Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010), a incursão europeia do norte-americano, que foi iniciada em 2005 com a obra-prima Match Point, também trouxe bons frutos em Sonho de Cassandra (2007) e Vicky Cristina Barcelona (2008). Após o ótimo Meia-Noite em Paris (2011), Allen escolheu a capital da Itália para filmar a sua nova trama. E apesar de não atingir o mesmo nível da produção anterior, Para Roma, com Amor é mais um belo exemplar do humor inteligente que encanta os seguidores do cineasta há tanto tempo.
O filme é composto por quatro núcleos de histórias diferentes que são contadas alternadamente e nunca se cruzam: uma americana (Alison Pill) que inicia um namoro com um italiano (Flavio Parenti) e recebe seus pais (Woody Allen e Judy Davis) em Roma para que as duas famílias se conheçam; um estudante de arquitetura (Jesse Eisenberg) que começa a se interessar pela amiga da namorada (Ellen Page) e recebe conselhos de uma espécie de “consciência” mais velha (Alec Baldwin); um casal italiano do interior (Alessandra Mastronardi e Alessandro Tiberi) que se muda para a capital pensando em melhorar de vida; e um homem comum (Roberto Benigni) que é transformado do dia para a noite na principal celebridade do país.
Se em Meia-Noite em Paris a mensagem principal era clara (“a idealização do passado é um erro que alimenta a frustração com o presente”), em Para Roma com Amor não há um fio condutor entre as histórias, mas em todas elas aparece, de uma forma ou de outra, alguma menção à indústria de celebridades e/ou à dicotomia essência x aparência na atualidade.
O personagem de Roberto Benigni, Leopoldo, é o que melhor vivencia esse conflito. Sem qualquer motivo, ele passa a ser adorado por milhões de pessoas que o veem como exemplo e querem saber todos os seus hábitos, desde o que tomou no café da manhã até a cor da cueca que está usando. É a partir do absurdo da situação que surgem alguns dos melhores momentos cômicos do filme, como a transmissão ao vivo do barbear do personagem. Como diz o motorista de Leopoldo em certa cena, ele é “famoso por ser famoso”, e assim terá a sua imagem superexposta e desgastada até ser trocado pela nova subcelebridade em evidência, que também não tem nenhum talento especial a ser destacado.
Na contramão deste ciclo aparece a pacata família italiana cujo patriarca possui um enorme talento vocal, visto apenas quando canta no chuveiro. Sem nenhuma pretensão de se tornar profissional, ele passa a ser persuadido por um diretor de ópera a subir aos palcos, enquanto sua mulher sempre se mostra contrária a essa atitude.
O interessante é que, nos dias de hoje, tornou-se exceção alguém que não deseje expor publicamente os seus talentos e, mais do que isso, tenha aversão à fama. Pelo pensamento dominante vigente, há uma necessidade de (a)provação contínua para se manter em evidência, já que as novidades são uma exigência do sistema. Nesse sentido, se torna sábio quem consegue fazer parte da indústria (seja ela cultural ou de celebridades) sem se render à sua lógica – e o próprio Woody Allen é um exemplo de artista que consegue financiar as suas obras sem abrir mão da liberdade criativa.
Nas outras duas tramas do filme a discussão sobre fama aparece de maneira menos evidente. O estudante vivido por Jesse Eisenberg cede aos poucos à tentação personificada pela amiga de sua namorada, mas a moça coloca a profissão (e a possibilidade de se tornar famosa) em primeiro plano. Já o casal italiano que veio do interior enfrenta experiências distintas ao se desencontrarem: enquanto ela se encanta com um galã de cinema que pouco tem de atraente, ele vê a possibilidade de passar uma boa imagem para seus parentes ser desperdiçada devido a um mal-entendido que não consegue resolver.
Embora reúna um elenco de ótima qualidade, formado tanto por jovens (Jesse Eisenberg e Ellen Page) quanto por veteranos de sucesso (Alec Baldwin, Roberto Benigni e o próprio Woody Allen), o filme não consegue passar imune a uma característica típica de sua estrutura fragmentada e acaba tendo partes mais interessantes que outras – particularmente, prefiro as histórias da celebridade instantânea e do cantor lírico. Isso resulta por vezes em uma quebra momentânea de ritmo e em personagens subaproveitados, como o de Penélope Cruz.
Por outro lado, Woody Allen não se inibe em um papel teoricamente coadjuvante e rouba a cena a cada vez que aparece, concentrando os melhores momentos cômicos da produção junto com Roberto Benigni. Voltando a atuar depois de seis anos de inatividade – a sua última aparição em frente às câmeras havia sido em Scoop -, Allen faz novamente um personagem neurótico, medroso, sarcástico, intelectualmente convencido e obsessivo por trabalho (apesar de já estar aposentado). São deles algumas das melhores piadas do filme, principalmente aquelas relacionadas à família de seu futuro genro.
Irrepreensível em sua atuação, Woody confia acertadamente na força cômica dos diálogos e das situações criadas em seu roteiro, mas apresenta certa preguiça em relação à estrutura do filme. É desnecessária, por exemplo, a quebra da “quarta parede” ocorrida no início e no fim da produção, quando personagens distintos falam diretamente com o espectador em uma tentativa de amarrar a narrativa. Esse recurso já havia sido utilizado pelo diretor em outras oportunidades, mas sempre com uma boa justificativa – em Tudo Pode dar Certo (2009), por exemplo, o personagem de Larry David acredita ser um gênio, e por isso teria a capacidade de saber mais do que as outras pessoas (percebendo até mesmo que estava em um filme).
Outro deslize do cineasta é o de mostrar a piada visual mais engraçada e criativa do filme em duas oportunidades, fazendo com que ela perca desnecessariamente muito de sua força cômica inicial.
Mesmo levando-se em conta esses defeitos, Para Roma, com Amor pode ser apontado como mais uma boa obra na carreira de Woody Allen, cineasta que, aos 76 anos, segue dando motivos para que seus fãs aguardem ansiosamente, ano após ano, o seu próximo filme.
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