Muito se fala sobre a solidão nos grandes centros urbanos. Parece que morar em uma metrópole significa estar solitário, viver sozinho em meio a multidões de rostos sem nome. Tal contradição junta-se a outra: ainda que com muitos conhecidos em inúmeras redes sociais, o sujeito não consegue comunicar-se de maneira efetiva com o outro, seu semelhante. É como se faltasse algo. E, para compensar a falta, multiplicam-se as possibilidades de diversão: bares, bailes, festas, shoppings, cinemas... A aglomeração de gente dilui os solitários numa massa multiforme.
Este é um dos temas do filme "Estamos juntos" (Toni Venturi, 2011). Tema deveras interessante, o que daria, no menos, um filme poético. E o filme do diretor de Cabra-cega tenta ser: o uso (excessivo) do plano-detalhe, os movimentos rápidos de câmera, a montagem opondo dois mundos paulistanos. São propostas estéticas que, no contexto do filme, acentuam a temática da solidão e da incomunicabilidade. Se tais recursos estivessem associados a uma estória menos óbvia, talvez o filme fosse melhor. Contudo, o grande problema de "Estamos Juntos" é explicitar de todas as formas - da montagem ao roteiro - o tema e a opinião do diretor. A começar pelos personagens: Carmen, personagem vivida pela atriz Leandra Leal, é uma médica solitária, que sai nas noites paulistanas com seu amigo Murilo (Cauã Reymond) e vive aventuras sexuais com Juan (Nazareno Casero), amigo daquele. Nas madrugadas, ou durante os banhos, costuma bater papos filosóficos com um homem misterioso, que mora em seu apartamento. A própria cidade é outra personagem na trama, talvez a mais importante: metrópole de profundos contrastes sociais, a engolir sonhos de uns e regurgitar de outros.
São Paulo revela-se logo na sequência de abertura: um plano geral sobrevoa a cidade e seus contrastes; ao fundo, uma trilha sonora melodramática misturando violino e música eletrônica. Aliás, a trilha é o elemento que mais incomoda: o som do violino dá ao filme a cor de um tango argentino. Daí somos apresentados à personagem de Leal, a médica que salva vidas mas que não tem ninguém que lhe salve. Ou melhor: não consegue abrir seu mundo para que as pessoas possam entrar e salvá-la. E a salvação é necessária, pois a moça está doente, não tem parentes na cidade e é incapaz de pedir ajuda. Com ela, apenas o misterioso homem a falar sobre céus invertidos e fazer-lhe massagens e picotes no cabelo. Carmen está entre os dois mundos representados no longa: o mundo fútil da burguesia cheia de si e afoita por preencher o vazio de alma, e o mundo dos pobres e oprimidos que vêem na luta por direitos básicos o motivo da existência. O tom humanista é mais do que patente: anuncia-se a cada quadro, realçado pelo desespero crescente da personagem central. E, como receita para a solidão, a incomunicabilidade e o vazio de sentido na vida, o filme sugere a ajuda ao próximo, o estabelecimento de relações fraternais.
Talvez seja este o aspceto mais decepcionante do filme, ao menos para mim: explicitar que, se há uma possibilidade de construção de sentido para a vida, é a luta ao lado do oprimido. Os dramas do pobre são maiores que os dramas individualistas dos ricos, o filme parece dizer. O problema não é passar esta mensagem; o problema é gritá-la por todo olonga. Filmes como o "Linha de Passe" (Walter Salles) ou o recente "Bróder" (Jefferson De) adotam um tom humanista sem precisar fazer alarde, como o "Estamos juntos" faz. E se a ideia era falar da solidão e da incomunicabilidade entre os homens, um anjo e uma trapezista (Asas do desejo/Himmel über Berlin, Wim Wenders, 1987), uma adolescente japonesa muda, um casal americano e imigrantes mexicanos (Babel/Babel, Alejandro González Iñarritu) ou ainda um nerd que cria uma rede de relacionamentos por que não consegue se relacionar (Rede Social/Social Network, David Fincher, 2010) cumprem melhor com o objetivo do que uma médica com esquizofrenia que salva vidas mas não tem salvação.
Explicitez. Obviedade. Poderiam ser qualidades. Neste caso banalizaram o que poderia ser uma boa estória sobre a solidão e a solidadriedade em São Paulo.
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