Violência. Sangue. Estas duas palavras sempre veem à mente quando se pensa em Quentin Tarantino. E óbvio que não seria diferente em sua mais nova obra, Django Livre (Django Unchained): muito sangue e diferentes matizes de violência, explorados de maneira bastante plástica pela experiente câmera do diretor. Contudo, se em filmes anteriores a Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds), a violência e o sangue eram marcas de estilo, neste e em Django tais marcas ganham desdobramento também no toca à escolha dos temas e à maneira de como abordá-los, evidenciando não só uma visão de mundo do diretor, mas também um posicionamento crítico diante de um mal que ainda hoje assombra o mundo: o fascismo.
Em Bastardos Tarantino enfrenta o fantasma do nazismo, ficcionalizando a história como forma de revivê-la e questioná-la. Em Django não é diferente, mudando apenas o período histórico: estamos no momento que precede a Guerra Civil americana. O fantasma que o persegue é a herança escravocrata e o racismo a ela inerente. Ora, sabemos que o teor de um discurso fascista parte do princípio da suposta ideia de superioridade de uma raça em relação a outras. Considerando sobretudo os desfechos das duas obras, fica fácil saber o que o diretor pensa sobre o assunto.
O uso da violência nestes dois filmes se distingue de outros do diretor por referendar seu posicionamento diante dos temas. E em Django Tarantino chega a um resultado estético surpreendente. Para além das já conhecidas referências do diretor, o filme explora a imagem fílmica trazendo ecos de movimentos artísticos como o Barroco (a cena inicial, da comitiva de escravos caminhando pela noite, na qual o trabalho de fotografia combina bem o claro-escuro à la Caravaggio, ou mesmo a brincadeira com a velocidade do zoom e planos em câmera lenta, aproximando ainda mais o filme da estética seiscentista). No entanto, o desprezo do diretor para com aqueles que sustentam ou sustentaram discursos fascistas vem em forma de diálogo: a sequência do ataque dos "mascarados" à dupla de protagonistas não é apenas risível: ela é desmoralizante. A Ku klux klan é geniosamente chamada de burra, estúpida e boba (foi como se dissesse: se você quer destruir seu inimigo, não o mate; torne-o uma piada). Estúpida e inculta não é só a organização racista, mas também os poderosos que mantém o sistema, como o amante da França Calvin Candie (Leonardo di Caprio, em uma atuação brilhante), podendo ainda hoje serem encontrados em qualquer rancho do Texas, por exemplo.
A violência em Django, mas também em Bastardos, deixa de ser apenas marca do diretor: surge como uma imposição do próprio tema. Como falar das diferentes faces do fascismo, por si só violento, sem recorrer à violência? E mais: como dar uma resposta a atitudes fascistas senão pela própria violência, num mundo em que os diálogos (não os do Tarantino) estão esgotados?
Tarantino gritou ao mundo o que pensa sobre o fantasma fascista, vivo ainda hoje. Não seria de admirar que ele fechasse a tal "trilogia" com assuntos bem contemporâneos, como crimes de homofobia ou conflitos étnico-religiosos. Agora é só aguardar.
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