Conheça a carreira de um importante ator, mas que sempre foi subestimado pela crítica.
Para a geração mais jovem, Glenn Ford, morto no dia 30 de agosto de 2006, aos 90 anos, era conhecido apenas por sua participação em Superman – o Filme, em que interpretava o papel de Jonathan Kent, o pai terreno do homem de aço. Poucos tiveram acesso – ou até mesmo curiosidade de conhecer – a sua filmografia. Muitos vão ficar surpresos com a extensão (Ford era um dos atores vivos com o maior número de filmes no currículo) e com a qualidade escondida por trás dela, especialmente nas obras que se concentram entre o final dos anos 40 e 50. Surpresa maior será a (re)descoberta de um ator de talento, que estabeleceu sua personalidade nas telas como um homem de poucas palavras, de fala mansa, lenta, suave, quase infantil e que, no final das contas, talvez nunca teve do público e da crítica o reconhecimento merecido.
Glenn Ford nasceu em 1916, na cidade de Quebec, no Canadá. Seu nome de batismo era Gwyllyn Samuel Newton Ford. De uma família abastada, de descendência galesa, Ford era filho do administrador da ferrovia local, que por sua vez, era sobrinho do Primeiro-Ministro do país. Na árvore genealógica dos Fords, ainda constava Martin Van Buren, o 8º Presidente dos EUA.
Glenn Ford mudou-se para Santa Mônica, em Los Angeles, aos 8 anos de idade. Logo apaixonou-se pelo show business. De dia, era um dos alunos mais assíduos nas nas aulas de interpretação na Santa Mônica High School, onde estudava. À noite, infiltrava-se nos estúdios da Culver City. Após completar os estudos, Ford começou a freqüentar pequenos grupos teatrais e viajar o país com algumas peças. Chegou a trabalhar, inclusive, como gerente de palco para a companhia de Tallulah Bankhead. Quando ficou claro o desejo do garoto pela carreira artística, seu pai lhe deu um único conselho: “se você aprender alguma outra atividade, não há nada de errado em ser ator. Seja capaz de montar um carro, após tê-lo desmontado por inteiro. Seja capaz de construir uma casa, pedaço por pedaço. Desta forma, você sempre terá alguma ocupação”.
Sua estréia na tela grande veio em 1939, sem muito brilho, na modesta produção da 20th Century Fox chamada Heaven With a Barbed Wire Fence. Nessa época, já passara a utilizar seu nome artístico, tomando por base a cidade canadense de Glenford, terra natal de seu pai. Logo depois, o ator assinou contrato com a Columbia Pictures, estúdio pelo qual trabalhou durante 14 anos. Após uma série de filmes-B, foi promovido ao primeiro time de atores do estúdio. O estrelato, porém, durou pouco. Com a chegada da 2ª Guerra Mundial, ele voluntariamente se alistou ao corpo de fuzileiros americanos, por onde permaneceu três anos (ao longo de toda sua vida, Ford manteve uma relação bastante estreita com o ambiente militar, fazendo questão de visitar as tropas ianques nas guerras da Coréia e do Vietnã).
Ao retornar a Hollywood, em 1946, Glenn Ford casou-se com a atriz Eleanor Powell (com quem teria um filho e se separaria em 1959). No mesmo ano, estrelou dois importantes filmes: Gilda e Uma Vida Roubada (A Stolen Life). No primeiro, interpretava Johnny Farrell, o primeiro amor de Gilda Mundson, personagem imortalizada na figura de Rita Hayworth, atriz com quem Ford dividiria as telas em mais quatro filmes. No segundo, contracenava pela primeira vez com Bette Davis, àquela altura já ganhadora de dois Oscars.
Nessa época, um dos grandes rivais de Glenn Ford na disputa pelos papéis era William Holden. Ambos possuíam características físicas semelhantes e idades muito próximas. Para conquistar a preferência dos chefes do estúdio, cada um tentava parecer mais alto que o outro. Para tanto, eles colocavam pedaços de papel dentro dos sapatos, até quando nenhum dos dois conseguisse mais andar. Apesar da concorrência, eram grandes amigos e, em 1948, estrelaram o faroeste No Velho Colorado (The Man from Colorado).
Os anos 50 conheceram a fase mais áurea de carreira de Ford. Em 1952, juntou-se novamente a Rita Hayworth em Uma Viúva em Trinidad (An Affair in Trinidad), numa tentativa de retomar o sucesso de Gilda. No ano seguinte, lançou um de seus maiores êxitos de crítica: Os Corruptos (The Big Heat), com Fritz Lang na direção e Gloria Grahame como sua co-estrela. Em 1954, o trio novamente se reuniu em Desejo Humano (Human Desire), refilmagem do clássico A Besta Humana, de Jean Renoir. No ano de 1955, Glenn Ford participou de dois de seus filmes mais conhecidos: Sementes da Violência (Blackboard Jungle), em que interpretava o professor idealista Richard Dadier; e Melodia Interrompida (Interrupted Melody), no qual representava o médico responsável pelo tratamento de poliomielite de sua esposa, a cantora de ópera Marjorie Lawrence.
Seus quatro filmes lançados em 1956 foram bem recebidos pela crítica e público: o thriller Decisão Amarga (Ranson), que seria refilmado quarenta anos depois por Mel Gibson (no Brasil, a nova versão foi rebatizada com o título O Preço de um Resgate); Ao Despertar da Paixão (Jubal), sua primeira reunião com o competente diretor Delmer Daves; Gatilho Relâmpago (The Fasteste Gun Alive), western que ganhou fama de cult ao longo destes anos; e finalmente A Casa de Chá do Luar de Agosto (The Teahouse of the August Moon), talvez seu filme mais conhecido.
Ainda nos anos 50, Glenn Ford participou de mais dois bons faroestes de Delmer Daves: Galante e Sanguinário (3:10 to Yuma) e Como Nasce um Bravo (Cowboy), ao lado de um deslocado Jack Lemmon.
Em 1958, Glenn Ford foi votado como o principal nome das bilheterias americanas. Sua popularidade conseguiu sobreviver até mesmo à derrocada do sistema de estúdios, que sobreveio após a publicação da lei anti-truste e a chegada da televisão.
Glenn Ford encerrou a década protagonizando a superprodução Cimarron, uma refilmagem do clássico dos anos 30, dirigida por Anthony Mann. Ao longo dos 60, manteve-se na ativa, com uma média de quase dois filmes por ano. Dentre eles, destacam-se Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Four Horsemen of the Apocalypse) e Papai Precisa Casar (The Courtship of Eddie´s Father), duas parcerias em seqüência com o diretor Vincente Minnelli, e Dama por um Dia (Pocket of Miracles), último filme de Frank Capra e pelo qual o ator ganhou seu único Globo de Ouro.
A partir dos anos 70, Glenn Ford passou a se dedicar à televisão, como nas séries Cade´s Country (1971-1972) e The Family Hovack (1975).
Casado por quatro vezes, Glenn Ford aposentou-se do mundo artístico em 1991. De lá para cá, uma série de pequenos derrames foram minando a saúde do ator. Sua última aparição na TV foi no dia que completava 90 anos. Num vídeo gravado em estúdio, Ford agradecia um prêmio concedido pela Cinemateca Americana.
Revista sua filmografia com o necessário distanciamento, fica a sensação de que a sua marca era justamente a personalidade tranqüila, natural, versátil e, acima de tudo, bastante autêntica. Glenn Ford dizia que o segredo da arte da representação era a honestidade para com o público. Não se julgava um ator ao estilo de Laurence Olivier, capaz de incorporar uma outra pessoa. Justamente por isso, considerava-se completamente inábil para interpretar, por exemplo, peças de Shakespeare.
Certamente estas características o ajudaram a construir seus personagens, seja em faroestes (que compõem quase a metade de sua filmografia), seja em qualquer outro gênero. Quase todos eles possuíam em comum uma faceta muito humana, homens normais, colocados diante de uma situação limite e que preferiam resolver seus conflitos à base do diálogo em vez da força.
Mesmo que tarde, ainda é hora para conhecer um pouco mais da carreira e dos filmes de Glenn Ford. Subestimado a seu tempo, o cinema, como sempre, cumprirá a função de corrigir as injustiças e eternizar a figura deste – por que não? – grande ator.