Saltar para o conteúdo

Notícias

Unbreakable Kimmy Schmidt - A Primeira Temporada 1/2

- por Guilherme Bakunin

EPISÓDIO 1 - Kimmy Goes Outside!

O novo projeto de Tina Fey, criado e desenvolvido em parceria com Robert Carlock (cuja colaboração com a escritora data desde os tempos de Saturday Night Live, passando inclusive por 30 Rock), mostra a trajetória de Kimmy Schmidt, uma garota posta em cativeiro por 15 anos junta de outras três mulheres, e que ao ser liberta, passa a viver na cidade da Nova York.

A ausência de personagens tradicionalmente masculinos é algo que impressiona. Os personagens principais são três mulheres de três gerações diferentes, e um homossexual negro. Isso não quer dizer absolutamente nada em termos de méritos narrativos (isto é: esse detalhe por si só não torna a série boa ou não), mas indica claramente o interesse focal da história.

O interesse de Fey e Carlock no projeto parece ser, a partir do que podemos observar no primeiro episódio, o de mostrar a cidade (no caso a de Nova York, mas de verdade qualquer grande centro urbano) sob os olhos desses personagens, marginalizados ou desprevilegiados. Observar a maneira com a qual cada um deles articula sua presença dentro do espaço da cidade parece, inclusive, ser uma das grandes fontes de piadas, especialmente nos próximos episódios.

Neste primeiro, após ser resgatada, Kimmy vive quinze minutos de fama: ela e suas amigas de bunker são alcunhadas de "garotas toupeira" (por terem passado tanto tempo debaixo da terra), numa clara demonstração de insensibilidade midiática frente a tragédias particulares; depois da fama passageira, ela desembarca na sarjeta da cidade de Nova York, com as roupas de corpo e muito dinheiro proveniente da indenização do governo. Ela compra tênis novos, procura um apartamento e depois um trabalho, sempre mantando uma postura positiva e alegre diante de qualquer situação.

O primeiro episódio é um dos menos engraçados da série (não o menos engraçado, há de se dizer), mas cumpre relativamente bem a proposta de acimentar os arcos que serão desenvolvidos posteriormente, além de apresentar todos os principais personagens (exceto o do reverendo que aprosiona as "garotas toupeira" no bunker) que farão parte das histórias dessa primeira temporada. Caso o projeto não estivesse ligado a um nome tão forte quanto o de Tina Fey, muita gente desestiriria da série diante do primeiro episódio. Ele não é exatamente ruim, mas se arrasta por alguns momentos, além de não ser tão engraçado, como já mencionei. Mas a mulher sabe o que faz. Seguir em frente é uma tarefa simplesmente natural, que qualquer fã cumpre sem medo.

6/10

EPISÓDIO 2 - Kimmy Gets a Job!

Partindo justamente de onde o primeiro episódio havia terminado, Kimmy Gets a Job! mostra a protagonista retornando à mansão dos Voorhees na tentativa de reaver o trabalho do qual havia sido demitida no dia anterior. A senhora Voorhees aceita o retorno de Kimmy, desde que ela consiga organizar uma grande festa de aniversário para o filho Buckley, missão que Kimmy recebe com seu costumeiro entusiasmo.

É a partir desse episódio que delieneia-se os aspectos mais "escuros" sobre os personagens e acontece aqui o encontro de Kimmy com sua principal nêmesis durante a temporada, a adolescente Xanthippe Voorhees, filha do esposo da senhora Voorhhers em seu primeiro casamento. É a partir daqui também que a série começa a cometer (sic) seu maior pecado: as subtramas.

A respeito dos aspectos mais "escuros": o que acontece é que a senhora Voorhees queria uma grande festa para Buckley apenas para impressionar o marido Julian, que deveria voltar de viagem naquele dia. Diante do não retorno do marido e do claro fracasso da festa, senhora Voorhees é obrigada a confrontar o evidente fracasso de seu casamento. Todos os tiques de madame ("gaste quanto dinheiro for necessário para que quando Julian voltar pra casa ele saiba estar na festa de aniversário do seu filho, não na recepção de um casamento incestuoso de uma cidade caipira", ela diz, ao criticar a primeira decoração feita por Kimmy para o aniversário de seu filho) assumem um significado distinto ao observamos a senhora como uma mulher frágil e insegura, ao invés de uma riquinha prepotente.

Xanthippe, por sua vez, parece de fato inescrupulosa, má e extremamente mimada, algo relativamente comum entre adolescentes abastadas. Ao ser posta de castigo por Kimmy, faz de sua missão pessoal desmascarar a origem da babá de seu meio-irmão, custe o que custar. É interessante, inclusive, como Kimmy consegue colocar Xanthippe de castigo. Kimmy ouve uma das histórias de a jovem contou para seus amigos sobre o romance com um garoto e reconhece a trama como sendo de um livro juvenil. Kimmy chantageia Xanthippe, ameaçando revelar para seus amigos que a garota não passava de uma virgem que fabricava histórias de romance e absuso de alcool. Embora de maneira menos realçada, isso revela uma também fragilidade na garota, que sente-se compelida a manter uma imagem diante de seus semelhantes, demonstrando não se encaixar totalmente no mundo para o qual fora formatada (onde jovens ricas abusam do alcool, do sexo e das drogas).

A partir do segundo episódio, praticamente todos possuem alguma subtrama menos importante, geralmente protagonizada por Titus e Lillian. Nessa, Titus tenta devolver uma fantasia de Homem-de-Ferro para a loja que alugou, afim de voltar à busca de seu sonho de tornar-se ator. Aqui, observamos como a cidade grande pode usurpar os sonhos e expectativas de seus moradores. Infelizmente, porém, todo esse arco envolvem tipos de comédias menores, menos fundados num estudo mais potente de personagem (como os arcos da Kimmy e senhora Voorhees são), e mais em questões de situações (como comédias pastelão, corporal e etc). O resultado não é desastroso, mas completamente esquecível.

5/10

EPISÓDIO 3 – Kimmy Goes on a Date!

Como no episódio anterior, a série trabalha para aprofundar-se na verdade de seus personagens, buscando romper com as camadas mais aparentes. Aqui, após despertar de um sono enforcando seu companheiro de quarto, Kimmy percebe-se mais traumatizada do que supunha a respeito do trancafiamento ao qual foi submetida durante quinze anos no bunker.

A comédia para Tina Fey parece estar precisamente ligada a esse sentido de narrativa de propulsão. Garotas Malvadas e 30 Rock, os dois projetos mais notórios da escritora, são, afinal, estudos de personagens. Estudos totalmente feitos sob a ótica da comédia, naturalmente.

É por isso que, apesar de começar com episódios mais fracos (uma fraqueza que existe tanto em termos narrativos, quanto em termos de comédia, de qualidade das piadas, etc), o espectador pode se sentir estimulado a continuar acompanhando: a história claramente caminha para algum lugar, e os personagens são partes fundamentais dela.

Desta vez temos três arcos simultâneos no mesmo episódio: Kimmy vai a um encontro arranjado por sua patroa com um homem bem mais velho (e senil); Titus consegue algum dinheiro e pretende usá-lo para tirar headshots novas, sem que Lillian desconfie; e Jacqueline Voorhees relembra de seu passado e sua origem (ela é nativo-americana!).

Ao contrário do episódio anterior, onde a simultaneidade dos arcos narrativos esbarrava na questão na razão pela qual tramas tão desconexas tivessem sido remendadas em um episódio só, neste terceiro episódio todas as histórias possuem o mesmo padrão: definem a origem/local de partida dos personagens como marginal/estranho/distante/escuso, de alguma maneira, e coloca o centro urbano como palco para a redenção desses personagens possa acontecer. Nenhum personagem está rendido ainda, mas o terceiro episódio dá série dá um grande passo nesta direção.

Quote do episódio 

Titus, após ser estrangulado por Kimmy: “Aqui não é o Ônibus de Chinatown. Você não pode enforcar alguém que está dormindo!”

6/10

EPISÓDIO 4 – Kimmy Goes to the Doctor!

Quando Kimmy recebe a ligação de sua companheira de bunker, ela se desestabiliza totalmente. Clara e naturalmente os 15 anos de cativeiro fizeram um estrago na garota, e fica cada vez mais difícil ignorar isso. Quando Kimmy descobre o que é uma selfie e enxerga a imagem do seu rosto com pequenas linhas de expressão, o trauma do cativeiro manifesta-se numa preocupação absurda com a imagem e, junto de Jacqueline, ela vai até uma clínica de estética.

O médico estético é interpretado por Martin Short. Dr. Franff é incrível, um personagem tão caricato quanto inesquecível. É exatamente aqui, quando Short, irreconhecível debaixo da máscara de feições plásticas do Dr. Franff, aparece pela primeira vez, que Unbreakable Kimmy Schmidt sobe de patamar.

Não consigo explicar exatamente porque. Ele é um personagem absurdo, dentro de um universo de personagens marginais/fragilizados, aparece e existe para dizer alguma coisa a respeito dos personagens principais, e por ser um personagem que existe em função de uma narrativa, ele pode ser caricato e absurdo e simplesmente muito engraçado.

Até aqui a série estava sendo engraçada, mas não exatamente engraçada, sabem? Enfim, era divertida de se ver, tinha bons personagens, mas não havia acontecido grandes momentos de risos ainda. Aqui, a presença de Short mostra que isso era possível. Veremos mais pra frente que esses personagens adjacentes aos principais investem a comédia (e, enfim, o prazer de se assistir) da série de mais vigor.

Quote do episódio

Jacqueline Voorhees, recitando o mantra que Kimmy usa para lidar com os problemas de sua vida: “Eu não estou realmente aqui! Eu não estou realmente aqui!”

7/10

EPISÓDIO 5 – Kimmy Kisses a Boy!

Kimmy Kisses a Boy dá sequência aos personagens especiais caricatos e absurdos. Cindy, companheira de Kimmy no bunker, e seu novo namorado visitam Nova York. Instantaneamente, Titus percebe que o namorado de Cindy é gay, o que leva Kimmy a descobrir que todos ao redor da amiga fazem de tudo para deixá-la feliz, mesmo que ilusoriamente.

Em termos de formato, o episódio impressiona por não conter diversos arcos narrativos. Há um único arco, que perpassa dois núcleos distintos de personagens, mas fazem parte da mesma construção. Kimmy se aproxima de seu interesse romântico ao mesmo tempo em que se impressiona com o estado das coisas na vida de sua melhor amiga no bunker.

Grandes momentos do episódio: Titus descascando uma espiga de milho para seduzir o namorado de Cindy; Lillian dizendo que estava “rear windowing”, em referência ao filme de Hitchcock; Charles não percebe que está com Kimmy ao telefone, enquanto tem uma conversa com seu amigo sobre videogame e bromance.

Enfim, o episódio sedimenta duas questões: Charles está acabado como interesse romântico de Kimmy, pelo menos durante a primeira temporada. A série é sobre Kimmy, Jacqueline, Titus e Lillian, sobre o desenvolvimento desses personagens enquanto personagens, não enquanto personagens acoplados a uma ideia besta de relacionamento; e Kimmy estava estagnada em relação aos próprios planos que fez quando resolveu ficar em Nova York após ser resgatada do bunker (“completar os estudos, sair e conhecer o mundo). Ela então ingressa num curso de educação para adultos afim de tirar o diploma de segundo grau.

O valor simbólico desse ingresso é muito grande por Kimmy, mas o final do episódio, com a recepcionista mau humorada já mostra claramente que surpresas desagradáveis aguardam Kimmy nesse novo momento de sua vida.

Quote do episódio

Kimmy Schmidt, combinando um encontro à noite com o namorado, na dispensa dos Voorhees: “Eu estarei aqui… com o meu buraco de beijar.”

7/10

EPISÓDIO 6 – Kimmy Goes to School!

Podemos enxergar Kimmy Schmidt como um anti-Amélie Poulain. No filme francês, Amélie faz de tudo para ajudar a vida das pessoas até perceber que deixou a própria vida de lado; na série de Tina Fey, Kimmy busca ajudar as pessoas, mas quase sempre percebe que as pessoas são meio BOSTAS, e suas vontades próprias não são jamais ignoradas.

Em Kimmy Goes to School, ela tenta ajudar um professor a se lembrar do porque ele se tornou professor no começo de seu magistério, mas descobre que ele sempre foi bastante ruim.

É interessante colocar uma personagem altruísta e benevolente em um mundo cheio de gente horrível, justamente porque isso diz muito mais a respeito da condição humana do que engodos mal fabricados como Amélie Poulain e Pollyanna.

O positivismo de Kimmy não busca transformar as pessoas ruins. Aqui nesse episódio, para lidar com o professor negligente, Kimmy subverte a situação para foder com a vida do professor, tirando daí o bem-estar geral.

Agora, no sexto episódio, voltamos a um esquema mais tradicional, com dois arcos distintos. Enquanto Kimmy lida com os problemas na escola, Titus e Lillian vão à mansão dos Voorhees para fazer afazeres a pedido de Kimmy e esbarram com Xanthippe.

Pode parece muita coisa, mas isso demonstra um grande sentido de coesão da série. Os Voorhees habitam espaços totalmente distintos de Titus e Lillian e em sitcoms normais, dificilmente esses universos se entrecuzariam (pelo menos em tão pouco tempo – estamos no sexto episódio, afinal!). Mas eis aqui, dois blocos antagônicos de personagens – o núcleo rico e o núcleo pobre – interagindo, desenvolvendo-se a partir dessa interação.

Poucas vezes na série o problema foi de ordem narrativa. Em termos de estrutura, Kimmy sempre foi uma grande história (com um pequeno revés no episódio 2). Embora desde o episódio 4 a série atingiu vigor maior no quesito comédia, a série ainda mais diverte do que faz rir – o que não é exatamente ruim, mas certamente é melhor fazer as duas coisas.

Quote do episódio

O professor Mr. L chega resmungando na sala de aula: “Eu poderia estar num barco numa loja de barcos agora...”

7/10

Comentários (0)

Faça login para comentar.