Toda honra aos bons filmes políticos!
Apesar de tudo o que se viveu e foi comentando, La Noche de 12 Años não é sobre a ditadura uruguaia, ao menos não principalmente, mas antes a qualquer governo cruel e autoritário. Tampouco se enganam aqueles que acham que aquilo se retrata capitalismo ou socialismo, a palavra “comunismo” só é dita uma vez e em tom de deboche. 12 Años é sobre resistência. Resistência a uma dor sistêmica, maior do que todos nós, incorporada em governos corruptos e moedores de gente. Resistência a um sistema que coloca humanos como gados e não como humanos.
Vendido por aí como uma biografia sobre o ex-guerrilheiro e ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, na verdade ele é apenas um pilar do triângulo de personagens que permeiam o filme. Pepe é nada mais do que uma humilde engrenagem, um humano que por vezes aparece em seus piores delírios, outras vezes em seus melhores sonhos; muito embora vencido por aqueles que considerava os seus inimigos. Não há espaço para encenação mítica de alguma figura que almeja a glória, não, quando Pepe sai da cadeia, é a sua humilde mãe que busca seu filho na libertação dos presos pela ditadura uruguaia. A todo momento Uma Noite de 12 Anos nos lembra que seus personagens, militantes presos, são seres humanos, com necessidades humanas (ir ao banheiro, necessidade de comunicação, necessidade de leituras..). Ora, é quase um estudo sobre o que é ser humano. Os seres humanos não são aquilo que fazem por necessitarem? Privados de sua privacidade, invadida pela prisão ilegal, é justamente de comunicação que precisam. Em uma das cenas mais emblemáticas, que ficam na memória no pós-película, os presos conversam por batidas nas paredes, ao fazer com que os dedos ensanguentados pareçam um arranhão, visto que a necessidade de conversação é mais importante.
“É um filme sobre bandidos”, “eles eram assassinos mesmos, não há nada de bonzinho” – podem dizer alguns.
José Mujica (Antonio de la Torre), Mauricio Rosencof (Chino Darín) e Fernández Huidobro (Alfonso Tort), todos de certa forma escritores, são personagens de um contexto histórico muito maior, a ditadura uruguaia. Sexta ditadura implantada pelos irmãos do Norte na América Latina, no mesmo ano que o famoso 11 de setembro de 1973 que terminou com a democracia do Chile, o Uruguai teve o seu poder ocupado por militares de linha dura. Tão dura que em muitos momentos fez a Ditadura Militar no Brasil parecer parlamentarista. Mas pronto, não vou fazer aqui uma apologia da Frente Ampla (organização de esquerda existente antes e após o golpe militar uruguaio), nem um ataque ao governo militar pós-73. Ao menos não como costumo fazer, não vou citar mortes, número de desaparecidos, e sim procurar entender um filme. Não estou me esquivando de críticas, mas desfazendo essas.
A primeira pergunta é: se eram bandidos, por que precisavam ter suas coisas mantidas organizadas como se não estivessem jogados em uma sala de cimento escura? Aos receber as visitas de seus familiares, tudo de repente era maquiado, modificado, de modo a parecer que eles de fato eram presos perigosos, que eram tratados com mais bondade do que as ações daqueles terroristas. Ué, mas de fato não o eram? Por que a necessidade de maquiar algo, se eles eram de fato perigosos? Se assassinos, por que não um julgamento justo, onde vítimas e assassinos ficassem frente à frente? Isso nunca acontece, não é “o filme tendencioso que não mostra nada”, mas o que não acontece. Raridade, em tempos de militares no poder, isso ocorrer, assim foi no Peru, assim foi no Brasil, assim foi na República Dominicana. Mesmo a URSS sob o comando de Stalin, quando assassinava os seus próprios, comunistas, socialistas, sociais-democratas, se preocupava em fazer alguns julgamentos farsescos, de modo a se explicar o motivo daquilo estar ocorrendo. Neste sentido, militares “de um lado e de outro”, buscavam na sanguinolência atingir um objetivo de ideal de sociedade, mas que sociedade nascer disso? A resposta, mais ou menos pode se encontrar em uma noite que durou 12 anos, com alucinações, paranoias e medos. Em todas essas sociedades, até mesmo na URSS dos anos 1980, todo mundo temia todo mundo. A distância entre o povo e os membros do partido eram bastante distante.
Embora sejam três homens presos, a figura da mulher (de forma sempre materna) é bastante importante. Seja na figura da mãe de Mujica (Mirella Pascual, a mesma de uns dos mais famosos filmes uruguaios, trata-se de Whisky), que dá esperança, segurança e motivação para resistir a cadeia; ou na figura de uma psiquiatra, interpretada pela atriz argentina Soledad Villamil. De fato poucas vezes se vê mulher nessa trama, aumentando a solidão da figura masculina, isolada completamente de bens materiais e também sentimentais.
Selecionado pelo Uruguai para representar o país no Oscar, não ficou entre os 9 selecionados para disputar os 5 lugares, e então, um vencedor. Mas isso em nada afetou a sua relevância, sendo um dos filmes estrangeiros mais procurados na região sul do país, por exemplo. Bem equilibrado entre muitas histórias diferentes, a minha favorita é aquela em que os militares fazem uma busca em uma casa que escondia guerrilheiros. A violência com que são tratados, mostra que um lado era o que tinha poder de violência real e efetivo, e não o outro, que utilizava da violência como escape, como instinto, e não como sua essência. Realmente tensa em um filme definitivamente importante, para o povo uruguaio e latino. Aí fica demonstrado como era uma das épocas mais fratricidas dessa nossa América Latina, um povo sem pernas, mas que caminha.
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