“ -Já nos encontramos antes, não é mesmo?
-Eu acho que não...
-Na sua casa, não se lembra?
-Não... não lembro.
–Para falar a verdade... eu estou lá agora mesmo. ”
A força que David Lynch tem sobre os elementos que cercam seus filmes é inacreditável, ao decorrer de todo o filme é incrível ver o controle que ele tem sobre sua obra, não existe nada que esteja ali que ele não queira que estivesse, domínio total, retrato de sua maestria como diretor e roteirista, outros filmes seus como O Homem Elefante, Veludo Azul e principalmente Cidade dos Sonhos (que considero sua obra-prima) só reforçam isso. Em A Estrada Perdida não é diferente.
Fred Madison (Bill Pullman) é um musico que começa a receber fitas com vídeos de dentro de sua própria casa, sem saber o porquê nem quem está realizando essas filmagens. Ele é casado com Renee Madison (Patricia Arquette) e a relação dos dois parece estar meio abalada, Fred não consegue mais satisfazer Renee sexualmente e suspeita que ela possa estar tendo um caso com outro homem. Após circunstancias muito misteriosas Fred é acusado e culpado de matar a própria mulher de uma forma brutal, e de um momento para outro em meio a sua pena na prisão ele se transforma em outro homem, Pete Dayton (Balthazar Getty), tendo uma vida completamente diferente. Pete é solto e no decorrer do tempo mais acontecimentos bizarros vão acontecendo.
A coerência de fatos ou uma lógica pontual em A Estrada Perdida não existem, grande parte do filme é completamente subjetivo e interpretativo, cada um terá uma emoção ao ver determinadas cenas e essa emoção é o filme, não para ser compreendido, mas sim sentido e discutido. A Estrada Perdida é um filme sombrio e mórbido, ao mesmo tempo belo e melancólico. Um olhar assustador sobre as dualidades da mente humana em suas relações, entre o real e a ilusão, entre o desejo e o poder, entre a verdade e a mentira, consciente e inconsciente. Lynch cria uma mistura de gêneros e estilos, principalmente o Noir, e seu trabalho aqui não é menos que brilhante. As forças de suas imagens são indescritíveis e nos dão tantas possibilidades de entendimentos e tantas diversificadas emoções quanto possíveis. Uma das forças do filme está em seu estudo sobre a mente humana, ele desenvolve tudo ao seu redor para nos dar a sensação dos sentimentos do subconsciente de seus personagens, e essa dualidade do ser humano sobre ele mesmo é sempre posto em tela. Ouvimos orquestra sinfônica, mas ao mesmo tempo temos metal ou punk, vemos slow motion como vemos aceleração de cenas, momentos com muita luz e outros quase na total escuridão, fortes cores e cenas em preto e branco. Cenário, figurino, trilha sonora, absolutamente tudo tem um papel aqui e por consequência uma interpretação.
O elenco está perfeito, sendo um filme tão interpretativo, e querendo mostrar o dualismo dos desejos e dos próprios personagens, ainda mais já que eles “mudam” no decorrer do filme, são atuações muito complexas, mas nenhuma delas deixa a desejar. Bill Pullman surpreende a todos e apresenta a melhor performance de sua carreira, com o personagem mais difícil e bem executado do filme, Patricia Arquette faz uma das melhores Femme Fatalles do cinema, sendo absurdamente atraente da mesma forma é perigosa e problemática. Nunca sabemos o que esperar de sua personagem, criando uma áurea tão forte de suspense e expectativa que geram as melhores sequências do filme.
A Estrada Perdida é um filme que tem que ser visto e revisto, e o mais importante, discutido e interpretado por todos aqueles, que como eu, amam o cinema e suas possibilidades. Um filme sobre amor e perda, sobre o ser humano fadado a dirigir, cada um, em sua própria estrada escura, em seu próprio subconsciente, sempre enxergando apenas até onde os faróis podem iluminar, sem saber o que virá no caminho, dividido por tudo que faz dele ele mesmo. Cada um com sua própria estrada e jornada do inconsciente.
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