“Abre los ojos.”
Em 1997, Alejandro Amenábar roteirizou e dirigiu “Preso na Escuridão” (qual é o problema que o Brasil teve de simplesmente deixar o título como “Abra os Olhos”?), pouco lembrado atualmente, mais apenas como obra inspiradora de Vanilla Sky (Cameron Crowe, 2001), o que é bem injusto, já que inovou muito com uma estrutura interessante de ficção científica, mais inventiva, com menos efeitos e prezando em diálogos explicativos e truques de edição, sendo uma bela surpresa do cinema espanhol.
César (Eduardo Noriega) é um playboy que vive da herança do seu falecido pai, que lhe deixou ainda uma rede de restaurantes para gerenciar junto com outros membros que tentam tirá-lo de tamanho cargo. Dando uma festa para comemorar seu aniversário, conhece Sofía (Penélope Cruz, linda, simples e cativante no papel), uma jovem atraente que chama sua atenção, fazendo-o largar de sua parceira de transa, Nuria (Najwa Nimri). Mas, depois de um acidente em que Nuria se suicida e ele fica com o rosto desfigurado, tudo desenrola em um jogo de realidade e sonho perturbador e suspeito.
A vontade de viver de verdade um sonho marca presença na mente de muitas pessoas, insatisfeitas com a imprevisibilidade e defeitos da vida real, querendo fugir das infelicidades e construir seu próprio ideal perfeito. Mas o conceito de um sonho é muito complexo e seu controle nem sempre é possível, sob diversas circunstâncias, sendo que vários outros filmes tratam disso com outras possibilidades. Aqui, o protagonista parece almejar algo que, mesmo com sua vida boa e bem financiada, não consegue conquistar. O tédio ou até a estupidez e mesmice de seu cotidiano pedem por uma novidade, que identificamos nesse filme como Sofía. Depois de se imaginar absolutamente sozinho na sua cidade, como se não houvesse nada que ela pudesse oferecer a ele e questionar Deus pela sua situação, a aparição de Sofía é tão importante devido ao paralelo de realidade em que ela vive. Humilde, atriz esforçada, culta, simpática e bela em sua simplicidade, a convivência que os dois têm em uma noite torna-se tão sincera que César desconfia que achou a mulher dos seus sonhos.
Porém, após a desfiguração de seu rosto, toma-se mais um rumo diferente. Surge uma relação de estilo “A Bela e a Fera” que começam a mudar o rumo da história mais uma vez. Uma das mais belas cenas do filme é quando César encontra Sofía num parque, fazendo apresentações teatrais maquiada para tentar ganhar dinheiro. Quando os dois se encontram, face a face, a chuva começa a desmanchar a maquiagem dela, enquanto o rosto medonho dele permanece o mesmo. A expressão de cada um carrega uma força emocional tocante.
A partir daí, a relação entre os dois e seu melhor amigo, Pelayo, tornam-se cada vez mais instáveis. A máscara que César passa a usar vira símbolo de como ele se sente no momento, tirando-a, pondo de volta ou colocando do outro lado da cabeça, fica mais e mais evidente que a distinção entre o que é a realidade em que César está e o que a mente dele deseja ou confunde é intensamente caótica. Sem aviso, pessoas mudam, o ambiente muda, seu rosto muda.
Ao mesmo tempo em que seguem tais acontecimentos, César revive esses fatos contando ao seu psiquiatra. Preso e acusado de um homicídio, a figura do psiquiatra nessa situação de César vai auxiliando com dicas intelectuais e visuais para o protagonista e para o espectador até culminar em uma grande virada final.
A direção de Amenábar conduz tudo isso com firmeza e, apesar de um pouco rápido em seu desenvolvimento, o enredo é construído com ritmo e pouquíssimo parece ser mal explicado. São tantas sutilezas presentes ao longo da película que uma revisita surpreenderia até mais com as sugestões astutas que levam ao clímax. A distribuição de luzes, sombras, efeitos fotográficos, cortes e falas criam um clima bem inteligente para o que está por vir. A trilha sonora também cai muito bem ao filme, engrandecendo a emoção presente no momento.
“Abre Los Ojos” tem uma narrativa chamativa, cheia de detalhes e imagens marcantes. Se for para citar alguns defeitos, a apresentação da trama inicial possui uma edição muito corrida, mas logo se ajusta. Certas atitudes são um tanto forçadas e o baixo orçamento não ajudou muito em cenas mais visuais. Nada muito prejudicial para uma obra que tem força na premissa e a boa mão do diretor. Merece, e muito, ser lembrado.
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