Ao lado de Mario Bava e Dario Argento, Lucio Fulci é um dos principais nomes do cinema Giallo italiano. Justamente por isso, Uma Sobre A Outra (Una Sull'altra, 1969) é uma de suas obras menos conhecidas. Mas nem por isso não está a altura de grandes clássicos do diretor. Icônico por suas obras cheias de sadismo e violência, carregadas tanto por um tom sarcástico quanto erótico, em Uma Sobre a Outra, Fulci foca apenas na história de suspense, sem o viés sobrenatural também tão presente em suas obras posteriores.
Uma Sobre A Outra marca também uma virada na carreira de Fulci. Antes, ele trabalhava como roteirista e diretor de filmes de comédia e faroeste. Mesmo sem ligação confirmada, após a morte de sua mulher, Maria Fulci, que ao saber de um câncer incurável se matou com gás (atenção a isso), Lucio Fulci se voltou ao suspense e terror.
O roteiro começa apresentando George Dumurrier (Jean Sorel), um médico que administra uma clínica em conjunto com seu irmão. Em casa, tem problemas com sua esposa doente, Susan Dumurrier (Marisa Mell). Seus bons momentos parecem ser apenas ao lado da amante Jane (Elsa Martinelli), com quem deseja se casar, mas não o faz pela esposa doente, que, segundo ele, por motivos religiosos, não aceitaria o divórcio. Quando Jane está para deixá-lo porém, sua “sorte” muda e George recebe a notícia de que sua esposa faleceu. Além disso, ela o deixou uma fortuna que ele desconhecia.
Ainda perturbado pela morte da esposa, George encontra uma stripper igual à falecida. A mulher, Monica Weston (também interpretada por Marisa Mell) é praticamente uma sósia de Susan, se diferenciando apenas pelo cabelo loiro e os olhos verdes (Susan era morena de olhos marrons). Por outro lado, em termos psicológicos, Monica é bem diferente de Susan. Enquanto a outra era muito mais recatada e vivia pálida e encoberta por sua doença, Monica transborda sensualidade e vividez. Impressionados com a semelhança das mulheres, tanto Jane quanto George ficam obcecados com ela. Jane especula a vida da moça através de telefonemas. Já George, hipnotizado pela sensualidade de Monica, se envolve com ela. Ao mesmo tempo, ele parece usar o sexo para investigar a semelhança da mulher com sua ex-esposa, além de demonstrar saudade da mesma, num ambíguo sentimento de afeto.
Mas como as coisas não são tão simples, uma autópsia revela que Susan na verdade foi assassinada, e não morreu por causa de sua doença. O cenário aponta então que quem envenenou Susan foi sua enfermeira, na verdade uma stripper, que tinha ligações com Monica. Ao que tudo indica, esse assassinato seria a mando de George, o principal beneficiado pela morte da esposa. Com esse quebra-cabeça espalhado na tela, o filme se torna ainda mais intrincado, sem mostrar com certeza ao espectador quem é inocente na estória.
Durante sua carreira, Fulci se destacou pela direção com câmera subjetiva. Seja colocando o espectador no lugar do assassino, de um gato, ou de uma cobra, seus movimentos precisos sempre acuraram o senso estético de seus filmes. Em Uma Sobre A Outra é um dos momentos onde o diretor mais usa dessa válvula. A câmera passeia pelo cenário, contornando os personagens e mostrando novas perspectivas. A refinada direção de Fulci nunca esteve melhor, pois dialoga com a sensualidade da misteriosa Monica, hipnotizando o espectador diante do belo corpo da atriz.
Além disso, são os recursos visuais que sustentam bem o filme. A divisão inventiva de quadros em alguns momentos, é acertada, tanto na cena do laboratório quanto nas revelações finais, com várias telas mostrando planos diferentes de Monica. Nota-se também toda a preocupação estética com os cenários, embelezados principalmente pelo uso das cores. Todo ambiente é carregado com móveis coloridos contrastando muitas vezes pelo jogo de sombras da iluminação. O destaque fica para o estúdio fotográfico de Jane, com direito a cenas muito semelhantes às de Blow-Up, Depois Daquele Beijo (Blow Up,1966), de Michelangelo Antonioni.
Não é apenas no senso estético que Uma Sobre A Outra se aproxima de Blow-Up. A trama de suspense que deixa o espectador tão em dúvida quanto os personagens segue o mesmo ritmo em ambos os filmes. Outra visível inspiração de Fulci foi também o mestre do suspense, Alfred Hitchcock. As reviravoltas no roteiro e os momentos de suspense alongados lembram muito os clássicos Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) e Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958).
O erotismo sempre foi uma marca de Fulci. Referência também no cinema Giallo como um todo, os temas subversivos ligados ao sexo sempre carregam doses tresloucadas de sadismo e penitência, balanceadas por debates acerca de dogmas religiosos. Nessa obra porém, que até foi considerada obscena a época de seu lançamento, o erotismo é muito mais um elemento estético do roteiro. Sem a costumeira violência que segue sempre um corpo nu nos filmes de Fulci, aqui as cenas de sexo são bonitas e bem exploradas pela câmera e jogos de luzes.
Mesmo com classificação de 18 anos e as acusações de obscenidade, Uma Sobre A Outra foi bem recebido por crítica e público, faturando consideravelmente na Itália. Seria o começo da ascensão de Lucio Fulci, que depois produziria obras primas do terror como O Segredo do Bosque dos Sonhos (Non Si Sevizia un Paperino, 1972), Zombie (Zombi 2, 1979) e Terror Nas Trevas (E tu vivrai nel terrore - L'aldilà, 1981). Cada vez mais coloridas, eróticas e violentas, suas obras angariariam fãs por todo o mundo.
*Texto escrito originalmente para cinealphaville.wordpress.com
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário