Mais do que abordar o retrato do Black Metal nos anos 1990, Até Que A Luz Nos Leve (Until the Light Takes Us) aborda o retrato de uma juventude rebelde totalmente perdida, imersa numa avalanche de ideais políticos, religiosos, artísticos e sociais. Entrevistando alguns dos principais personagens do movimento Inner Circle, como Varg Vikernes, criador do Burzum, Fenriz, principal líder do Darkthrone e HellHamer, baterista do Mayhem, o documentário revela o ponto de vista dos integrantes desse grupo, que movimentou a cena do metal norueguesa e levou muitos a questionarem até que ponto um estilo musical deveria influenciar o pensamento de seus ouvintes.
Antissociais e adeptos de culturas góticas, marcados por criações rígidas e exigentes, adolescentes que gostavam de metal extremo se reuniam na loja de discos Helvete. Local esse que acabou sendo um marco para história do Black Metal na Noruega. Lá surgiu o Inner Circle, conhecido também como Black Circle e Svarte Circle, que depois ainda recebeu o nome de Black Metal Mafia, dado pela mídia do país. Liderados por Vikernes e Euronymus, na época líder do Mayhem, o grupo tinha ideais anticristãos e queimava igrejas com o propósito de chamar a atenção para a ocupação que o cristianismo fez na Noruega séculos antes, destruindo parte da cultura pagã.
Em pouco tempo as coisas saíram do controle. Vikernes foi preso pela queima das igrejas, Faust, baterista da banda Emperor, foi preso pelo assassinato de um homossexual, e a mídia ligou equivocadamente o movimento ao satanismo, o que fez com que o mesmo perdesse sua essência, virando moda entre jovens do país. Logo após ser solto, Vikernes se desentendeu com Euronymous e os dois passaram a se ameaçar, até que Varg matou o ex-líder do Mayhem com uma faca.
Sujeito carismático e de grande conhecimento, Vikernes sempre foi o centro das atenções, sendo ídolo para alguns e vilão para muitos. A verdade é que nota-se certa paranóia na fala de um sujeito com traços de psicopatia. Preso por matar Euronymous, Vikernes descreve com frieza como assassinou o colega de movimento. Do mesmo modo, conta sobre sua infância tranquila em Berg, segunda maior cidade da Noruega. Vikernes, porém se mostra mais preocupado em defender seus pontos de vista acerca de questões políticas e históricas, atacando principalmente o cristianismo, religião que, segundo ele, espalhou-se pelo mundo afogando outras culturas e impondo seus modos sobre as pessoas.
Trabalhando de um modo frio e por vezes quase caseiro, Até Que A Luz Nos Leve acompanha também um pouco do dia de Fenriz, que se abre para as câmeras falando sobre sua infância, suas frustrações e sua ligação com arte e música. Citando arte maia, Fenriz fala sobre “o vazio de uma vida fácil” e a educação rigorosa que recebeu, vinda de pais conservadores. O destaque fica para a cena em que a polícia aborda Fenriz e o revista, em busca de drogas e armas, mostrando que o Inner Circle ainda é vigiado de perto pelas autoridades.
Vendo o documentário é possível perceber que o Black Metal tem muito a ver com postura. Característica extremamente elucidada pela visão do artista plástico Bjarne Melgaard, grande admirador da estética e cultura Black Metal, responsável por uma exposição inteira baseada no gênero, contando com esculturas, pinturas e fotos. Sendo parte da performance, Frost, membro da banda Satyricon, destrói tudo ao final, queimando os quadros, esfaqueando sofás e almofadas e se autoflagelando com uma adaga. Essa postura insurgente também é destacada por Vikernes, no episódio em que conta como gravou o primeiro disco do Burzum, usando os piores equipamentos que encontrou para romper com as estruturas tradicionais da música da época.
A principal qualidade de Até Que A Luz Nos Leve é abordar o tema de forma próxima, porém sem julgamentos. Sendo o Black Metal muitas vezes visto com certo preconceito, o documentário leva o espectador a descobrir um movimento que tem fundamentado no seu âmago a arte e a rebeldia. Seja na atuação artística de Frost, nas composições depressivas de Fenriz, ou no modo de gravação subversivo de Vikernes. Uma leitura válida para qualquer tipo de arte ou comportamento social.
Vale a pena conhecer, mesmo se não for fã do gênero.
Texto muito legal. O documentário é muito legal também, estou devendo umas revisões.
Puta documentário..faltam mais desses por aí...e crítica mais interessante que li nos últimos dias
Porra loucura foda esse documentário.